Construir Resistência
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Treta na porta da escola

Por Walter Falceta

– Veio pegar seu filho?

– Bom dia. Sim, filha. Vim pegá-la. Uma carona até a dentista.

– Ela é aluna do primeiro colegial.

– Não, é professora do último ano do colegial.

– Ahhhh… Desculpa aí, pai da professora: mas pode me dizer por que eles ensinam tanta bobagem pra molecada?

– Que bobagem?

– Essa história, por exemplo, de que os homens brancos descendem dos macacos.

– Ninguém ensina isso.

– Como não? Você não viu aquelas figuras da tal evolução? Como é que é o cara? Marx? Não, Freud. O outro doido. Darwin… Esse…

– Nós todos, negros, brancos, amarelos, vermelhos temos um ancestral em comum com os macacos. Lá atrás. Entendeu?

– Mas aí é a mesma coisa.

– Não, não é, nós não descendemos do chimpanzé nem do gorila. Apenas temos uma avó em comum.

– Minha avó era bem humana e não tinha pelos no corpo. Só se for a avó de outras pessoas aí…

– Imagina uma árvore. Tem folhas, ramos, galhos e o caule. É disso que estamos falando. É de ancestralidade.

– Eu não acredito nisso. O homem sempre foi assim. Senão, seria comido pelos dinossauros. Ao contrário, o homem caçava o dinossauro e comia ele.

– Nenhum homem jamais teve um encontro com um dinossauro vivo.

– Como não?

– Eles desapareceram da Terra há uns 65 milhões de anos. O homo sapiens surgiu na África, há cerca de 300 mil anos.

– Então, mas faz tempo. Alguns dos dinossauros deviam viver pela África ainda…

– Não, não havia nenhum deles por lá. A era mesozoica já tinha acabado fazia tempo. Muito tempo.

– E o mamute?

– Mamute não é dinossauro.

– Mas é um primo próximo, o senhor deve saber.

– Não, não é. Me desculpe a franqueza.

– O senhor é religioso?

– Ao meu modo.

– Então, deve saber que o homem surgiu faz uns 5 mil anos, e já surgiu do jeito que é agora.

– Isso é uma alegoria. Não é verdade científica.

– Como assim, alegoria? De escola de samba?

– Não, estou falando de fábula, de mito, de lenda.

– Então, o senhor está dizendo que a Bíblia mente?

– Não, a Bíblia escolheu um tipo de narrativa para a gênese da espécie humana. Deve ser respeitada enquanto expressão religiosa.

– Então, concorda que a Bíblia está certa?

– Concordo que a Bíblia é um registro de crenças ancestrais construídas a partir de simbologias muito complexas.

– Então, não pode discordar dela…

– Não estou discordando. Apenas digo que, para questões educacionais, considero apropriado que se ouça a versão da ciência, baseada em estudo e pesquisa.

– O problema é que estão tirando os filhos do caminho da religião.

– A religião não precisa brigar com a ciência. São elaborações diferentes para explicar a maravilha de estarmos neste mundo.

– Ou é uma coisa ou é outra?

– Acho que o maior papel da religião é difundir a fé na solidariedade, na harmonia entre os povos, no afeto, na tolerância e no amor.

– E garantir a prosperidade, né?

– Não, não acho, não. Para isso, tem coach, consultor e livro de autoajuda. Você vai à Igreja para se “religare” com o todo cósmico, em busca de elevação espiritual, e não para trocar de carro ou comprar uma casa.

– Bom, pelo menos o senhor deve concordar que o planeta não é redondo. Senão, seria redondeta. Ha ha ha… É plano, porque é planeta. Em caso contrário, a gente ia rolar por aí. Isso está mais do que provado. Não há uma evidência de que a Terra seja redonda.

– O senhor só pode estar brincando…

– Observe e vai ver que é Sol que fica girando aqui em cima. É só prestar atenção. Aqui, estamos sobre num disco.

– Não, o Sol não é pequeno como o senhor imagina. O Sol é grandão. Sua força gravitacional mantém os planetas (todos redondos) girando a sua volta.

– É nisso que querem fazer a gente acreditar. Mas isso não tem lógica. Estamos cercados por uma muralha de gelo. Por isso, ninguém passa para o outro lado. Está provado cientificamente, o senhor deve saber.

– Não, não está provado cientificamente. A Antárctica é apenas um continente gelado e inóspito. Não há o que fazer por lá, exceto pesquisas em suas bordas.

– Isso é a sua opinião. Apenas a sua opinião.

– É a minha opinião e de outras pessoas que pesquisaram o tema por décadas.

– Assim como esse negócio da Covid…

– Ah, meu Deus, lá vem…

– O senhor sabe…

– Que é uma gripezinha? Que a vacina transforma pessoas em jacarés? Que faz alguns pegarem AIDS? Que o vírus foi feito pelos comunistas chineses para dominarem o mundo? Que a máscara ajuda a contaminar as pessoas?

– Pelo menos nisso, nós concordamos.

– Não, eu não concordo com nada disso. Eu só antecipei as… as… asneiras que o senhor ia dizer.

– Qualé? Pensa que sabe mais do que eu? Deixa de ser arrogante, doutorzinho. O que está faltando neste país é patriotismo e fé em Deus. Se tivesse essas duas coisas não estávamos nessa situação, com tanta juventude metida nos tóxicos.

– Foi um prazer conversar com o senhor. Lá vem minha filha. Passar bem…

– Opa, opa, opa, dá licença. A senhora é que é a professora de Biologia?

– Sou, sim senhor.

– Por acaso foi a senhora que deu uma aula falando de doenças sexualmente transmissíveis? E que falou de fecundação e de menstruação, essas coisas?

– Ah, sim, está na grade… Faz parte do repertório de estudos…

– Olha aqui, a senhora não tem o direito de botar caraminholas na cabeça da minha menina. Ela é gente decente… E se da próxima vez…

– Por favor, senhor, tira a mão do meu braço…

– Larga ela, o filho da puta!

– Quem vai me obrigar? É o doutorzinho do petê?

– É, com muito prazer…

Plaft, plow, russhsh, cataflow! Póiiimmmm!

 

Walter  Falceta é jornalista e um dos fundadores do Coletivo Democracia Corintiana

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