Por Vinicius Monção
A papelaria era enorme para um ser pequeno como eu. Lembro do seu nome, Casas São Jorge. Era uma loja grande que ficava numa esquina importante, de frente para a praça da Matriz em São João de Meriti. Cidade densamente povoada da baixada fluminense.
Meus olhos fitavam de longe os livros e eu não podia nem manuseá-los para sentir o gosto, pelo toque, das suas páginas. Isso porque eu ficava de “castigo”, sentado no balcão de vidro tomando conta dos produtos coletados pelos meus pais enquanto eles percorriam os corredores apinhados de gente catando as coisas que estavam prescritas na lista infindável de material escolar. Lápis de cor; giz de cera; papel pra isso, pra aquilo.
Para o papel em branco exigido pela escola tínhamos dinheiro. Mas para o papel com desenhos coloridos e texto escrito, nem pensar. Me lembro desses livros, mas acho que ainda nem sabia ler.
Os anos foram passando e os objetos escritos sempre foram de grande interesse para mim. Com o tempo ia passando eu ganhava alguns livros e revistas que eram acumulando com o tempo. Às vezes era possível comprar alguma coisa, mas isso não era a regra. Eu guardava-os como um tesouro. Além de livros, o jornal também sempre me causou desejo.
Para mim, quem lia os jornais diariamente eram pessoas ricas e inteligentes. Meu sonho era que meu pai fizesse assinatura do jornal para podermos ter essa distinção na vizinhança. Quando eu saía para a escola de manhã, observava o entregador de jornais e desejava que ele errasse a casa e joga-se no meu quintal por engano. Um dia isso aconteceu e foi um dia especial.
Geralmente os jornais que entravam na casa dos meus pais eram finos, sem muito texto interessante. Era um jornal popular que falava mais de violência, novela e trazia em suas página imagens de jovens mulheres vestidas de biquínis em poses sedutoras. Eu, uma criança gay, não me interessava por aqueles corpos.
O jornal dos meus desejos era “O Globo”. Aquilo sim era jornal decente! Era massivo. Muitos cadernos. Assuntos variados. Mas era caro. Muito caro para o orçamento daquela família de classe trabalhadora.
No ensino médio, às vezes, eu mentia. Dizia para minha mãe que precisava fazer um trabalho da escola com o jornal a pedido da professora. Como tarefa de escola era sagrada, minha mãe desinteirava o dinheiro que tinha e me permitia comprar aquele desejoso jornal.
Folheava as páginas e páginas e me sentia importante. Lia uma coisa e outra. Achava-me muito inteligente por ter acesso aquele conteúdo dominical que comprara após voltar da missa.
Me lembro de ter uma grande curiosidade pelo caderno de classificados. Anúncios diversos. Vendas e alugueis de casa; serviços; avisos de falecimento e convites para missas de sétimo dia. Um dia, numa conversa com meus primos eu comentei que a parte que eu mais gostava dos jornais era os classificados. Lógico que eles me zoaram por conta das propagandas eróticas das mulheres sedutoras.
Ingenuidade deles. Eu era um adolescente gay e aquilo não fazia nenhum sentido para mim. Minha curiosidade sobre a vida do outro era o que mais me atraía naquele caderno.
Durante a semana, para mim, o jornal não tinha o mesmo fascínio. Durante a semana o jornal entrava lá em casa. Sua utilidade era dada aos bichos que o usavam para fazer suas necessidades.
Hoje continuo aficionado pelos jornais. Confesso que a mudança para o formato digital me desestimulou um pouco. Gostaria de ter assinatura e receber matutinamente meu exemplar e assim, mostrar para a vizinhança que eu sei e gosto de ler jornais. Que sou uma pessoa interessante.
Enquanto adulto, me delicio lendo o noticiário do The New York Times. Pode ser síndrome de vira-lata. Mas esse suporte é uma ótima ferramenta para treinar meu inglês viralatês-tupiniquim. E, assim como os cachorros da casa dos meus pais, eu uso os impressos (que não são mais impressos), dentre outras coisas, para as minhas necessidades.
Tenho vontade de fazer jornalismo. Mas tenho preguiça de novamente sentar nos bancos escolares.
Vinicius Monção é professor universitário, pesquisador, artista plástico, aspirante a músico de carnaval e viajante profissional.