Por João Pedro Stédile em Carta Capital
O fundador do PDT foi um estadista, um homem comprometido com seu tempo e com o povo brasileiro. Fazem faltas figuras públicas desta tradição.
Conheci Brizola quando criança. Ele era governador do meu estado e passou por minha região em atividades políticas. A “camponesada” toda foi vê-lo. Já naqueles idos, era um personagem muito popular, um verdadeiro ícone, admirado por muitos e odiado pelas oligarquias.
Na época, eu estudava numa escolinha que seu governo havia construído em todas as comunidades rurais do estado – e que a direita passou a chamar de “Brizoletas”, porque eram todas iguais. O apelido pegou de forma carinhosa. Mas, o mais importante é que ele conseguiu universalizar o ensino fundamental por todos os rincões do estado.
Brizola sofreu na pele a pobreza e a falta de escola. Órfão desde criança, sua mãe pediu ajuda a amigos para que ele pudesse estudar na cidade, e depois fazer o colegial agrícola no internato em Viamão – colégio é famoso até hoje por tê-lo tido como seu aluno. Estudioso, conseguiu entrar no elitista curso de engenharia civil da UFGRS. Deve ter sido o primeiro pobre a se formar engenheiro no Rio Grande. E do movimento estudantil, migrou rapidamente para as atividades politico-partidárias.
Foi por descobrir que só a educação liberta verdadeiramente as pessoas e pode vencer a pobreza, que Brizola passou a aplicá-la como política pública no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro. Fui um dos beneficiários dessa visão.
Quando cultivei amizade com ele, já maduro, vivendo no Rio, Brizola nos contou sobre sua vida como governador e que gostava de utilizar feriadões para pegar uma camionete, e sem seguranças, apenas com a esposa e seus filhos, acampar em alguma fazenda ou próximo aos rios, para descansar e pescar. Que governador faria isso agora?
No governo, Brizola implantou políticas públicas revolucionárias para a época e para os dias atuais. O que me leva a concluir que ele foi o único governador verdadeiramente de esquerda que tivemos em toda história do País.
Brizola universalizou o ensino fundamental para todo povo gaúcho. E abriu as portas para que os jovens da classe trabalhadora depois ascendessem ao ensino médio e superior, como ele sonhava. Criou a siderúrgica rio-grandense, uma estatal preocupada com a indústria de base. Desapropriou a telefônica ITT, e como estatal disseminou a telefonia por todo estado. Criou uma estatal do leite, a CORLAC para garantir mercado a todos camponeses produtores de leite do estado.
Antes que tivéssemos uma lei nacional de reforma agraria ou politicas fundiárias, Brizola criou o instituto gaúcho de reforma agrária- IGRA, para organizar a desapropriação de terras improdutivas para agricultores sem-terra. E sabia que a reforma agrária não dependia apenas de vontade política, mas da capacidade de organização dos trabalhadores do campo. Por isso, deu todo apoio ao nascente Movimento dos Agricultores Sem Terra, o Master, que era impulsionado pelo PTB e organizava acampamentos na beira das fazendas improdutivas.
A maior delas, a Fazenda Sarandi, se transformou em um ícone da luta pela reforma agrária no Brasil. Tinha 24 mil hectares de terras fertilíssimas no município que lhe empresta o nome, e era propriedade de latifundiários uruguaios, os Mailios, que se interessavam apenas pela exploração dos pinheirais.
Brizola não teve dúvida e, com sua lei estadual, desapropriou a fazenda Sarandi, distribuindo a terra para centenas de famílias de sem terras da região.
De volta do exílio, amargou mais duas derrotas institucionais: perdeu o controle da sigla que tanto sonhara, o PTB, e também o apoio de parte de seus companheiros e companheiras, que preferiram ficar no MDB. Mesmo assim, disputou o governo do Rio. E venceu, apesar do Serviço Nacional de Inteligência, hoje ABIN, que tentava de qualquer maneira impedir sua vitória e estava fraudando os boletins. Uma soma paralela de imprensa impediu o golpe.
No Rio, Brizola tentou implementar de novo políticas públicas revolucionárias. E cercou-se de grandes sábios como Oscar Niemeyer, Darci Ribeiro, Nilo Batista, entre outros, e passou a redesenhar o estado. E a marca de seu governo foi, de novo, a educação, com a implantação dos CIEPS, que garantiam ensino fundamental e médio, em tempo integral a todos estudantes, de forma gratuita, com todos os instrumentos pedagógicos possíveis.
Em 1989, disputou as eleições presidenciais, quase chegou ao segundo turno, mas perdeu pelo novo reascenso do movimento de massas que brotou da luta contra a ditadura e que havia criado o PT, a CUT, o MST como uma nova geração de lutadores. Nas eleições seguintes, voltou a ser governador do Rio e chegou a ser candidato a vice do Lula.
E, quem sabe, uma de suas últimas vitórias foi ter conquistado na Justiça o direito de resposta no Jornal Nacional, em que o Cid Moreira teve ler uma nota escrita pelo Brizola, em que denunciava o papel manipulador da Globo, que ajudou a dar o golpe de 1964 e se beneficiou dele para construir um império midiático até hoje.
Grande Brizola, foi uma figuraça, um estadista, um homem comprometido com seu tempo e com o povo brasileiro. Fazem faltas figuras públicas desta tradição.
João Pedro Stedile é economista e ativista social brasileiro. É graduado em economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e pós-graduado pela Universidade Nacional Autônoma do México. Atua na causa da Reforma Agrária, Agroecologia e das causas populares.
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