Do CIMI
Desmonte do Ministério dos Povos Indígenas e aprovação da urgência do PL 490 às vésperas do julgamento sobre marco temporal desrespeitam a Suprema Corte e as instituições democráticas
Na data de anteontem, 24 de maio de 2023, assistimos às manobras inescrupulosas nas duas casas legislativas federais do Brasil. No início da noite, a Comissão Mista responsável por analisar a Medida Provisória (MP) 1154 aprovou a retirada de competências fundamentais dos Ministérios do Meio Ambiente (MMA) e dos Povos Indígenas (MPI). O relatório aprovado subtraiu do recém-criado MPI a atribuição da demarcação dos territórios indígenas e flexibilizou a segurança ambiental do bioma Mata Atlântica.
Mais tarde, o plenário da Câmara aprovou a urgência na tramitação do Projeto de Lei (PL) 490/2007, que institucionaliza a tese do marco temporal, dificulta o andamento dos processos demarcatórios, abre as terras indígenas para toda sorte de exploração e busca, na prática, inviabilizar o direito constitucional dos povos originários à terra.
Nos causa perplexidade o fato de que o atual governo federal, que se elegeu com o compromisso de salvaguardar os direitos dos povos indígenas e avançar em sua efetivação, tenha liberado os parlamentares da base governista durante a votação da urgência deste gravíssimo projeto de lei.
Diante deste cenário, manifestamos nosso repúdio e denunciamos à sociedade esses últimos atos de barbárie, ao tempo que externamos nossa preocupação com o porvir que se anuncia, caso seja permitida a sua continuidade.
Em primeiro plano, o PL 490 é claramente inconstitucional e, por isso mesmo, já deveria ter sido enterrado, uma vez que reduz direitos fincados como cláusulas pétreas no texto constitucional, particularmente o direito dos povos indígenas às terras que tradicionalmente ocupam.
A aprovação da urgência em sua tramitação acontece nas vésperas do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), do famigerado marco temporal. Isso significa, por parte da Câmara dos Deputados e do presidente da Casa, Arthur Lira (PP/AL), um enorme desrespeito à Suprema Corte do Brasil e às demais instituições democráticas.
Além da tentativa de subalternizar o Poder Executivo com essas manobras abusivas, os parlamentares fulminam setores muito sensíveis do governo, em especial aqueles conduzidos por duas mulheres que têm relação imediata com a cultura ribeirinha, ambiental, indígena e camponesa. É um sinal sonoro do açoite ideológico e econômico imposto às pautas dos povos, seus direitos constitucionais e suas mais diversas culturas.
A história não nos permite esquecer dos assassinatos, torturas e expropriações que vitimaram diversos povos indígenas, violações promovidas pela Ditadura Militar sob a justificativa de promover o desenvolvimento econômico no país por meio da implementação de grandes obras de infraestrutura. Do mesmo modo, a história irá novamente nos cobrar, caso o país volte a trilhar no mesmo caminho dos anos de chumbo.
Cremos também que a retirada da competência de demarcação de terras tradicionais do MPI, com a devolução ao Ministério da Justiça, é reflexo de uma conjuntura que permite somente até certo ponto o avanço da luta e do protagonismo indígena, sendo estes os primeiros direitos a serem tolhidos em negociações consideradas de maior importância. Todavia, é importante que o governo federal garanta o andamento das demarcações, independente da pasta à qual estiverem atreladas.
Cumprindo nosso dever institucional e missionário, não ficaremos calados e denunciaremos à sociedade nacional e internacional a truculência de setores do Congresso Nacional que se apoiam em uma agenda reacionária para avançar sobre direitos assegurados pela Constituição. Também nos solidarizamos com os povos indígenas, suas comunidades e organizações, diante de tamanho retrocesso e desmontes institucionais que atravancam e embaraçam ainda mais as demarcações de terras indígenas e a proteção destes territórios.
Redobramos a esperança e o respeito na sociedade e em suas instituições. Do mesmo modo, reiteramos nossa confiança que o Supremo Tribunal Federal, em sua tarefa precípua e imprescindível de guardião da Constituição, reafirmará o caráter originário dos direitos territoriais dos povos indígenas e, com isso, não permitirá que as futuras gerações sofram com os impactos das atuais decisões políticas desastrosas do Congresso Nacional.
Por fim, condenamos o retrocesso, o desrespeito institucional e a covardia dos poderosos. Ao mesmo tempo, reiteramos nossa solidariedade ao movimento indígena nesse lamentável episódio e nos colocamos ao lado dos povos originários e de todos e todas que buscam construir uma sociedade em que a diversidade de modos de vida seja respeitada e entendida como um princípio ético, humano e inegociável.
Sobre o CIMI – Conselho Indigenista Missionário
O CIMI é um organismo vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) que, em sua atuação missionária, conferiu um novo sentido ao trabalho da igreja católica junto aos povos indígenas.
Criado em 1972, no auge da Ditadura Militar, quando o Estado brasileiro adotava como centrais os grandes projetos de infraestrutura e assumia abertamente a integração dos povos indígenas à sociedade majoritária como perspectiva única, o Cimi procurou favorecer a articulação entre aldeias e povos, promovendo as grandes assembleias indígenas, onde se desenharam os primeiros contornos da luta pela garantia do direito à diversidade cultural.
Em sua prática junto aos povos indígenas, o Cimi assume como objetivo geral: Testemunhar e anunciar profeticamente a Boa-Nova do Reino, a serviço dos projetos de vida dos povos indígenas, denunciando as estruturas de dominação, violência e injustiça, praticando o diálogo intercultural, inter-religioso e ecumênico, apoiando as alianças desses povos entre si e com os setores populares para a construção de um mundo para todos, igualitário, democrático, pluricultural e em harmonia coma natureza, a caminho do Reino definitivo.