Por Silvio Queiroz
Dia para lembrar, sempre, o Capitão Carlos Lamarca. Há 51 anos, no sertão da Bahia, o Capitão da guerrilha foi executado de maneira covarde pelo exercito (minúscula), depois de dois anos combatendo a ditadura militar imposta pelo golpe de 64.
Difícil, talvez, pra quem olha para esse tempo com os olhos de agora, entender o que representa a trajetória desse brasileiro invulgar. Posso talvez oferecer alguma coisa, eu que nasci em 62 e naquela altura não fazia ideia do que acontecia no país que, como é comum, eu amava. Em 70, tinha vivido com intensidade a conquista do tri na Copa do México.
A vida me presenteou com uma encruzilhada improvável com a trajetória desse Capitão. Naquela altura, também meu pai era capitão do exército. Servia na oban/DOI-Codi em SP. em 70, tinha escapado de morrer no início do cerco ao campo de treinamento que o Capitão da guerrilha comandava no Vale do Ribeira, interior de SP.
Fui entender melhor o que tinha acontecido ali um tanto mais tarde, lá para 78/79. Formava minha consciência política, militava contra a ditadura e pude resgatar a figura desse militar que, como meu pai, acreditava na farda que vestia. A história do Brasil, o golpe, a resistência armada ao regime dos generais, colocaram frente a frente dois capitães que, hoje e para sempre, fazem parte da minha vida.
Papai bateu na trave, mas sobreviveu. Morreu coronel, 30 anos mais tarde. Minha amiga Claudia Pavan Lamarca, que tem a minha idade, teve destino oposto. Em 69, quando o pai dela rompeu com o exército para ir à guerrilha, ela partiu com a mãe e o irmão para o exílio. Impossível não lembrar dela, com carinho e admiração, sempre que a data traz de volta essa encruzilhada que compartilhamos sem nunca nos termos visto.
Claudinha e o pai serão para sempre um pedaço especial e amoroso da minha vida. Afeto construído em retrospectiva, mas nem por isso menos presente. Com 7 anos de idade, sem ter uma noção mais clara do que a gente vivia no país, senti o medo real de perder meu pai. Um ano mais tarde, sem ter como acompanhar de Cuba o que acontecia, ela perdeu o dela.
Espero, de verdade, lembrar para sempre. E, a cada 17 de setembro, me sinto irmanado com ela. Daqui a duas semanas, quero festejar a derrota do palhaço desfardado que usa a mesma patente de capitão para exaltar a ditadura que marcou a vida de nossos pais. Mas, hoje, não posso deixar de lembrar com admiração e gratidão o lema do Capitão Carlos Lamarca:
Ousar lutar! Ousar vencer!
Silvio Queiroz é jornalista, colunista do jornal Correio Brasiliense