Por Beatriz Herkenhoff
Infelizmente, perdemos o direito ancestral de nos despedir daqueles que amamos…
Da noite para o dia, sem aviso prévio, nossa existência foi invadida por um #vírus que está ceifando vidas, interrompendo sonhos e projetos, nos fazendo viver um luto permanente como nação e como planeta terra. A dor e a tristeza tomam conta do nosso ser e nos sentimos impotentes diante de tantas mortes, de tantas atrocidades e negação dos fatos, e até mesmo da indiferença, quando a morte é banalizada.
Nesse momento em que choro a partida de três amigos queridos, me faço presente nas cidades, nas casas, nas comunidades periféricas, acampamentos agrícolas e aldeias onde tantos também estão chorando a dor da partida. Uma dor que muitas vezes é multiplicada pela falência dos negócios, pela falta de emprego, pela falta de um pão para saciar a fome dos filhos.
Somos privilegiados, temos uma casa que nos abriga em tempos de #distanciamentosocial, temos um salário que nos dá segurança para atravessar momentos difíceis. Mas, diante de tantos privilégios, temos que tomar cuidado para não sermos dominados pela culpa. A culpa mina e destrói nossa potência de vida. Ao mesmo tempo, não podemos ser conduzidos pela indiferença e pelo egoísmo.
Se recebemos dons e uma proteção especial nesse momento é para partilharmos nossas potencialidades com aqueles que menos têm. O que recebi a mais, não pertence a mim, com quem posso repartir? Que espaços clamam por minha presença e solidariedade? Como posso colocar-me em movimento, lutando por um mundo melhor, mais humano e igualitário? Que pessoas próximas e distantes precisam de uma palavra amiga, da força que brota de uma oração ou da presença silenciosa em que o outro sabe que estou de mãos dadas?
A #pandemia nos coloca numa relação mais próxima com a morte. Por isso nos convida a fecharmos ciclos, cuidar das pendências, identificar as mágoas e perdoar. A #pandemia nos convida a fazer aquilo que é nossa verdadeira vocação nesse mundo: partilhar o amor com generosidade, viver com desprendimento, desapego e simplicidade. Colocar a vida a serviço para que todos tenham pão, moradia e trabalho. Levar a alegria e a esperança em todos os espaços que ocupamos.
Infelizmente, perdemos o direito ancestral de nos despedir daqueles que amamos. Por isso temos que resistir, não nos deixar abater, desanimar e desistir. Temos que viver o luto em sua intensidade, partilhar o luto coletivamente, curar nossas feridas indo ao encontro do outro (infelizmente só virtualmente), falar do legado daqueles que não estão mais aqui. Dar continuidade aos seus sonhos e projetos.
Não podemos sucumbir, não podemos nos deixar invadir pela tristeza, pela raiva e pela depressão. Cultivar a confiança, a esperança e a certeza de que tudo vai passar e que seremos pessoas melhores, com energia, força e garra para construirmos um mundo melhor, mais humano, igualitário, justo e democrático.
Beatriz Herkenhoff é doutora em serviço social pela PUC São Paulo e professora aposentada da Universidade Federal do Espírito Santo.
Resposta de 0
De tudo isso a maior dor é essa que foi citada “perdemos o direito de despedir das pessoas que amamos ”
Por que é importante abraçar os que ficam.
Sua crônica me toca o coração e reforça, em mim, a linda pessoa que você é.
De fato sei da sua beleza interior desde sempre, já que, embora distantes fisicamente, nunca perdemos a força da amizade verdadeira que nos une desde que éramos crianças.
Este texto carrega em seu íntimo a esperança, sentimento indispensável numa época cheia de incertezas e luta contra o que não sabemos de fato o que é.
Amei, Beatriz! Coisa boa descobrir você aqui!