Por Marcos Coimbra
E nunca tivemos um outro ocupando o segundo lugar de maneira tão estável; já os candidatos da terceira via são experiências esdrúxulas dos donos do dinheiro
É comovente o esforço que a elite brasileira dedica à proteção de seus filhotes na política. Prova? O carinho com que todos os candidatos a candidatos da tal terceira via foram tratados, tanto os que sumiram quanto aqueles que restam. Receberam as atenções que os criadores de raças exóticas dedicam às ninhadas, cuidando com desvelo de cãezinhos que nascem fracos e com mínima chance de sobrevivência.
Atravessamos o mais sui generis de nossos períodos pré-eleitorais. Nunca tivemos uma eleição com um favorito tão nítido, a tanto tempo do pleito. Nunca tivemos um outro ocupando o segundo lugar de maneira tão estável. Faça chuva ou faça sol, Lula se mantém como grande favorito e Jair Bolsonaro permanece no segundo posto. Desde quando o ex-presidente voltou ao jogo (do qual havia sido excluído pela mistura de autoritarismo e golpismo que infecta nossa vida política e impede o amadurecimento democrático), sempre obteve mais de 40% das intenções de voto no primeiro turno, em qualquer pesquisa séria. E olhem que foram dezenas, desde o ano passado. Em breve, poderemos comemorar um ano de folgada vantagem.
Lá embaixo, o ex-capitão também está firme, longe de Lula e acima dos filhotinhos que apareceram e saíram de cena. Agora mesmo, no encerramento da “janela partidária”, excrescência criada pela fascinante capacidade de maquinações do Congresso, foram-se alguns e apareceram outros. Verdade que há quem resista, como o eterno Ciro Gomes, com seu pelotão de eleitores fiéis.
Desde o início de 2021, passamos por poucas e boas. A pandemia se agravou, perdeu ímpeto, voltou a acelerar e amainou. A economia estava com cara de recuperação, afundou e não saiu mais do buraco. A quadrilha de gafanhotos bolsonaristas continuou a devorar Brasília e a produzir escândalos em série. Os reis do Congresso mandaram ver, gastaram o dinheiro do povo em benefício próprio e de Bolsonaro, com a cara mais limpa do mundo.
Enquanto isso, se considerarmos os resultados médios das pesquisas, mês a mês, nada mudou: Lula estável, acima de 40%, e Bolsonaro estável, acima de 20%. Na margem de erro, indispensável à avaliação, nada muda desde maio do ano passado. Doença, miséria, denúncias e bilhões em demagogias (e, agora, até mesmo uma guerra de impacto global) não afetaram a estabilidade.
Quem se lembra das eleições presidenciais que fizemos desde 1989 sabe que isso é inédito. Em todas, os favoritos só se consolidaram na reta final, candidaturas subiram e desceram, houve disputas acirradas pelo primeiro e o segundo posto. Quem apostaria todas as fichas em Fernando Henrique Cardoso em julho de 1994 ou de 1998? Quem adivinhou o nome do adversário de Lula em 2002, depois de quatro candidatos ocuparem o segundo lugar e caírem? As duas eleições mais recentes continuaram instáveis. Ou alguém se esqueceu que Marina Silva e Aécio Neves chegaram a colocar as mãos na taça em 2014 e que Bolsonaro só ganhou por meio de mutretas até a véspera da eleição?
A permanência de Lula no patamar de 40 e poucos por cento, nas pesquisas de primeiro turno, desde maio de 2021, não é estranha: há 20 anos, ele não tem menos que isso, em nenhuma eleição que disputou ou em que seu nome foi cogitado. Pode-se dizer que este é o tamanho da parcela da sociedade brasileira que o prefere a qualquer outro nome. Sua liderança não decorre da catástrofe bolsonarista.
O capitão está com 20 e poucos por cento por haver no País, assim como em outros lugares, um núcleo de eleitores que simpatizam com a ultradireita e acreditam em seus valores, ao qual se soma uma parcela que nunca votou e não pretende votar na esquerda, influenciada pelo discurso e mídia oficiais. A esses o sistema político não foi capaz de oferecer uma alternativa a Bolsonaro, com a mesma aura de conseguir derrotar o PT (não importa como) e sem qualquer escrúpulo.
O eleitorado progressista e de esquerda tem um candidato satisfatório, de quem gosta e a quem respeita. Mas a elite política e econômica ficou, de fato, com Bolsonaro, apesar de uma parte relevante dos eleitores reacionários considerá-lo incapaz e desprezível. Vai disputar a eleição obrigado a defender o pior governo de nossa história.
Não adianta se lamentar quando definha, um a um, a ninhada de candidatos de laboratório. Não iriam mesmo sobreviver ao lado de alguém como o capitão. Só na cabeça dos comentaristas da mídia corporativa e dos gênios da política as experiências que vimos eram viáveis. Lulus da Pomerânia, Pequineses e Miniaturas Pinscher não aguentam viver por muito tempo no mundo real. Adoecem, ficam fracos e morrem. •
Marcos Coimbra – Sociólogo, é presidente do Instituto Vox Populi e também colunista do Correio Braziliense.
Matéria originalmente publicada no link abaixo de Carta Capital
https://www.cartacapital.com.br/opiniao/nunca-tivemos-uma-eleicao-com-um-favorito-tao-nitido/