Por Antonio Soares
Já não é de hoje que ouvimos aqui e acolá que Bolsonaro foi um erro na vida de vizinhos e amigos envergonhados, de artistas, de políticos, de celebridades e até do “guru” do bolsonarismo, Olavo de Carvalho. Ele publicou um livro de crônicas, O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota, pela Record em 2017. Agora vai às redes sociais, através de um canal de direita, para dizer que se sente traído, que nunca foi guru do governo e que foi usado como “poster boy” na eleição de Bolsonaro. Fica difícil entender a cabeça desse senhor com seus sentimentos de “madalena arrependida” ou mesmo de ter-se tornado aquilo que ele parece mais temer na vida, um tremendo idiota.
Desde a primeira hora da campanha de 2018, Olavo gastou horas nas redes sociais apoiando Bolsonaro, reunindo-se com os filhos numerados do presidente e atacando artistas ou figuras públicas apresentadas, por ele, como inimigos do bolsonarismo. Alguns desses ataques o fizeram acumular polêmicas, desagravos e processos na Justiça. Um dos processos ele perdeu por ofender Caetano Veloso, chamando-o de pedófilo. O desfecho da sentença foi uma dívida de R$ 2,9 milhões por danos morais*. O astrólogo, dublê de filósofo, diante de uma dívida que não tem como pagar e também não foi socorrido por Bolsonaro e nem pelos grupos de empresários que dão suporte econômico ao bolsonarismo (patrocinam outdoors de apoio e pagam blogueiros para espalhar fake news), se sentiu traído e desamparado. Apesar disso, veio dos Estados Unidos para tratar sua insuficiência cardíaca e renal no InCor-USP, realizou cateterismo e teve direito a quarto privado com segurança na porta. Pergunto ao leitor: conhece algum amigo que conseguiu uma vaga no InCor com a facilidade de Olavo? Quem arrumou e pagou a segurança dele? Quem agilizou a internação no InCor? Depois disso, ele saiu do Brasil à francesa pelo Paraguai, sem passar pela imigração, para se livrar da convocação da Polícia Federal. Quem organizou a fuga pelo Paraguai?
Bolsonaro usa, vez por outra, a metáfora do casamento ou do amor quando se refere aos processos de alianças políticas. Com Regina Duarte ele flertou, iniciou o namoro, noivou, a levou para leito do governo e a abandonou. Diferente da personagem da série Malu Mulher, dirigida por Daniel Filho entre 1979-80, na qual ela foi a imagem da emancipação feminina, Regina preferiu ficar no papel de “noivinha submissa” do autoritarismo bolsonarista. Se resignou com o fim do romance sem deixar de declarar seu amor incondicional ao presidente.
Com Moro, provavelmente, tudo se iniciou secretamente, como num caso extraconjugal. Provavelmente Moro o seduziu enviando “nudes” dos processos contra Lula e vídeos das orgias lavajatistas que ele e Dallagnol promoviam nas alcovas da Justiça Federal em Curitiba. O casamento, por interesse de ambos, ocorreu sem namoro público quando o juiz, que posava de xerife da Pindorama de Elio Gaspari, se tornou o superministro da Justiça e da segurança Pública. Sérgio Moro queria uma cadeira vitalícia do STF, Bolsonaro exigia dele a fidelidade de testa de ferro para atuar na Polícia Federal ou em qualquer frente da Justiça que ameaçasse ele e os seus. Como vimos, foi na catastrófica reunião ministerial de 22 de abril de 2020 — data que descobrimos o Brasil no qual estávamos enfiados com Sales querendo passar a boiada; Guedes querendo vender tudo durante a pandemia e com outras falas surreais–, que Bolsonaro mandou recado, aos palavrões, que seu caso de amor com Moro chegava ao fim. Moro terminou o casamento como mulher de político corrupto, aquela que se beneficiou e sai denunciando as falcatruas do marido depois de se sentir abandonada.
Moro então foi para os Estados Unidos para se juntar ao escritório de advogados (Alvarez & Marsal) que atua na recuperação da Odebrecht. Não custa lembrar. Ele foi trabalhar para a empresa que destruiu sem dar chance de compliance durante o processo. Agora, retorna ao Brasil, diz que foi ingênuo e traído pelas juras de amor Bolsonaro no combate à corrupção. Ele desponta como um dos prováveis candidatos a presidente e Dallagnol como candidato a deputado nas eleições de 2022. A grande mídia, que teve telefone vermelho com a República de Curitiba na Lava Jato, já se movimenta para reconstruir a imagem de Moro. Ela está desesperada por um candidato para chamar de seu. Merval Pereira já iniciou sua campanha a favor de Moro. Atacou a aliança entre Alckmin e Lula e começa o trabalho de limpeza da imagem do personagem justiceiro que se tornou o Charles Bronson de Curitiba, aquele que iria salvar o país dos malfeitores e malversadores do dinheiro público (ver artigo “Expectativa de poder” – O Globo, p. 2).
Paulo Guedes, ao contrário, é fiel aos seus interesses e não importa os deslizes e traições do presidente. Nada abala sua relação com Bolsonaro. Ele construiu um amor interessado ou, quem sabe, interesseiro. Se ofereceu para ser o avalista do governo com a promessa de implantar uma economia ultraliberal de desenvolvimento (onde isso aconteceu?). O mercado e jornalistas da grande mídia entraram no barco dele. Guedes sempre foi um prostituto do mercado, ao estilo que vende a mãe e entrega para não perder o negócio. No governo, descobriu que se deitar na cama do poder pode render mais dividendos, proteção aos negócios privados e as contas em paraísos fiscais. Apesar dos arroubos e desmandos do marido no Planalto, Guedes se mantém submisso e sabe tirar proveito da relação. Ele fala aquilo que o chefe quer ouvir e é vida que segue: aumentos para policiais, reforma especial da previdência para caserna, dinheiro extra para emendas parlamentares, furo no teto de gastos etc. E o Brasil? Ele deve responder: que se F!
Bolsonaro, entre beijos e, depois, tapas com ex-aliados e ex-apoiadores, construiu romances trágicos e efêmeros que terminaram com bate-boca, barraco, sofrimento, ressentimento e decepção. Lobão, Fagner, Toquinho, Zé Padilha, Alexandre Frota (deputado e ex-ator pornô), Joice Hasselmann (deputada federal e ex-tiete apaixonada pelo “Mito”), Gustavo Bebianno (falecido ex-ministro e idealizador da campanha presidencial), General Santos Cruz, Mandetta (ex-ministro da saúde) e muitos outros se declaram traídos e enganados pelo infiel amante. Vizinhos, ex-alunos e amigos engasgam quando pergunto em quem votaram em 2018. Quase todos antipetistas dizem ter votado em Amoedo, Ciro ou anularam o voto. Até fico pensando que houve fraude nas urnas, como afirma Bolsonaro.
Bolsonaro com seus flertes, namoros, noivados e casamentos desfeitos nas relações políticas encarna o drama da violência do amor. Bolsonaro nunca escondeu quem era, nunca foi esteio da moralidade, nunca gostou de trabalho, nunca foi fiel a nada e sua entrada na política lhe caiu como um sapato perfeito para calçar durante 30 anos. Assim, aqueles e aquelas que embarcaram com Bolsonaro nessa aventura amorosa deveriam, ao invés de se dizerem enganados ou traídos, declarar rodrigueanamente: “Perdoa-me por Me Traíres” ***. Como dizia meu psicanalista, “o amor é muito violento”. Ele completava o argumento dizendo que não quer o amor de ninguém, apenas o respeito; acho que ele tem razão, tanto na política como nas demais relações.
*https://cultura.uol.com.br/no
** https://www.youtube.com/watch?
*** Peça teatral de Nelson Rodrigues (1975).
Antonio Soares é professor da UFRJ. Matéria originalmente publicada no QUARENTENA NEWS
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Gostei muito das informações