Por Virgilio Almansur
JUST FOR LOVE
007– SEM TEMPO PARA MORRER traz em sua pré-apresentação uma das composições mais belas já compostas para o icônico James Bond: “We Have All The Time In The World”, da dupla Hal David e John Barry para On Her Majesty’s Secret Service, 1969.
Cantada por Luiz Armstrong, numa cadência melancólica, porém triunfal, a música vai nos levando àquela película ímpar em que Bond tem sua recém esposa morta. 007– A Serviço de Sua Majestade é ímpar em razão de um único 007 com o modelo australiano George Lazemby, que se aventurou no cinema tentando corresponder ao mítico Sean Connery.
À época, fazia-se a transição de Connery para Roger Moore, que mais interpretou o detetive autorizado a matar, cuja licença está há 16 anos nas mãos deste último ator que se despede após cinco filmes. Satchmo é o must do filme. Louie, e sua técnica scat, estão a serviço do melhor do filme.
Nesse último 007, que marca a despedida do mais visceral Bond Daniel Craig, a inflexão musical parece recorrer ao inusitado, numa ousadia sem precedentes a apontar a necessidade — que volta nos segundos finais do filme — de nos informar que temos mesmo todo o tempo do mundo, “o tempo suficiente para que a vida revele todas as coisas preciosas do amor”. Marca-se aqui um prenúncio que o espectador deverá absorver com a volta de um Bond menos rude e na procura de um charme abandonado.
Fica a dúvida acerca do tema insosso que a jovem cantora Billie Eillish canta. Talvez os produtores tenham pensado muito mais na menina de 15 anos se apresentando ao mundo como esperança para novos seguidores da franquia que a famíla Broccoli detém.
Antes da abertura com a música tema do filme, temos quase uma espécie de filmete, que carrega uma pretensa nostalgia na ida de Bond ao túmulo de sua amada morta em 2008, em “Quantum of Solace”, algo que reforça, também, as cinco últimas apresentações enquanto série. Desde Cassino Royale, os roteiros seguiram continuidades complementares: um espectro das consistências da trama idealizada por Ian Fleming iniciada em 1952/3.
Interessante que Fleming tenha escrito suas novelas na Jamaica. Após 66, ano de sua morte, outros seguiram incensando o mito Bond e a franquia seguiu por mais de 20 e tantos filmes. Neste filme, que requereu algumas refilmagens por exigência da Nokia e em virtude desse hiato entre 19/21 que tornou obsoletos seus produtos, Bond está muito mais afeito em recuperar aquela imagem do durão amante que pensa numa relação que reproduza seu amor perdido como aconteceu com Vesper.
É a mais longa pré-abertura para depois se apresentarem os créditos iniciais, típicos da franquia, para No Time To Die com música-tema de Billie Eilish, já consagrada, mas sem maior expressão se comparada aos demais filmes, principalmente aos das décadas de 60/70/80.
Sem Tempo para Morrer carrega tons nostálgicos para indicar uma saudade de um agente que tenta sua aposentadoria há anos. Claro está é a nossa dificuldade em nos aposentar desses romances que Ian Lancaster Fleming desenvolveu.
Herdei toda a coleção de um amigo, Gustavo, que os guardava excepcionalmente em sua estante de livros, numa acurada apresentação desde quando os adquiriu em N. York. Autor comedido, I. Fleming nos apresenta seu personagem muito calcado em seus próprios serviços durante a segunda guerra: a espionagem…
O gênero literário desse militar, comandante da Marinha Real Britânica nos anos de 1939/45, se dirigiu à espionagem; escreveu contos e voltou-se aos infantis pouco antes de falecer aos 56 anos.
Ian foi um bon vivant, escritor e jornalista que parece ter tido um colega na guerra de nome James C. Bond a inspirar seu personagem, contrariamente ao que se diz advir de um ornitologista homônimo, também James Bond a quem quis homenagear.
Nessa última produção, de roteiro firme, Bond está afastado, praticamente dificultando seu encontro, quando o velho amigo da CIA, Felix Leiter, lhe pede ajuda; é o tempo até M, da agência britânica, descobrí-lo e cobrar-lhe préstimos ao lado da atual 007, Nomi, vivida pela atriz Lashana Lynch. Ela sugere que Bond retome seu número. Os eventos são comuns aos filmes recentes, numa trama que confere altos e baixos à direção.
Consistente a narrativa, tem ela algo não só nostálgico como recorrência aos demais episódios, mas a presença de uma denúncia que o personagem passa a carregar enquanto sua imortalidade frente ao panteão que já o deixara (é bem visível a imagem de M, em quadro, vivida pela atriz Judy Dentch e morta em Skyfall): o ex agente da rainha retoma seu trabalho dando mostras de sua não perenidade, e, a labilidade na recuperação de sua autonomia, não reclamada, permite antecipar que 007 não mais lhe pertence. Pelo menos o vivido por Craig…
Contrastando com os últimos quatro filmes, a “série” recorre à leveza e extrai algumas gargalhadas sem muita ênfase e é onde o contraponto se revela importante para que personagens desapareçam de vez e o velho e bom Bond ressurja, quem sabe numa expectativa de que James Bond will return…
A conferir…
Virgilio Almansur é médico, advogado e escritor.
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