Roberto Garcia
Não sei o que o Huck pensa da vida. O pouco que dele sei indica sucesso. Parece que entrou cedo na televisão. Manobrou nesse meio com habilidade. Ficou cada vez mais conhecido, prestigiado pelos colegas e pelos que o veem. Ficou rico, comprou barco, avião. Anda com gente rica e bonita. É astro da TV Globo. Virou celebridade.
Nunca vi um programa dele. Nem sequer um minuto de suas apresentações. Por que então pensar nele? Gastar os meus dedos e umas linhas, onerar os olhos do pessoal que vai ler, escrever sobre a figura, com tão poucos sinais? Pergunta simples. Merece resposta, é claro: o rapazinho encasquetou, decidiu que quer ser presidente do Brasil.
Ué, por que não? Se você entra para a televisão, chama umas pessoas interessantes pra mostrar e conversar, edita direito as imagens, bota no ar, atrai atenção, não comete nenhum erro grosseiro, projeta simpatia, pode perfeitamente usar isso como trampolim para chegar ao parlatório do Palácio do Planalto.
Opa, vamos com calma. Será que não é um pulo alto demais?
Não, minha cara amiga. É perfeitamente possível. Imagine as nulidades que chegaram até lá. Esta seria apenas outra. Já pensou no professor de português mato-grossense que dava aula em escola de rico em São Paulo, o Dante Alighieri, tinha umas manias estranhas, convenceu até o Mino Carta, naquela época um moleque ainda impressionável, que o ajudou na campanha e fez dele prefeito de São Paulo? Ele teve carreira meteórica, virou governador e logo em seguida virou presidente. O Jânio Quadros não usava as redes sociais. Ele escrevia bilhetinhos. Umas besteiras. Mandava funcionário público chegar no horário certo, atender direito o público, dava uma ou outra orientação óbvia, fazia exigência austera. Jânio era moralista, criticava a corrupção. Não tinha a menor ideia sobre os dilemas da boa governança, para onde levar o Brasil. Mas usava sobretudo escuro, cheio de caspa nas costas. Usava quépi da CMTC, a companhia de ônibus e bondes da capital paulista, comia sanduíche de bife na Vila Maria, um bairro de pobre nos arredores.
Com esses elementos ele convenceu os ricaços da elite, os sisudos proprietários do jornal conservador, o Estadão. Endossado pela UDN, o partido das classes produtivas Foi apoiado pelo Carlos Lacerda. Financiado pela Embaixada Americana. Virou presidente. E quando chegou lá em cima não sabia o que fazer. Descobriu que era uma chatice. Tinha uns assessores jovens, com imaginação, vivos mas que também não sabiam nada. O Carlos Castello Branco, o Evandro Carlos de Andrade, que mais tarde criaram juízo, viraram colunistas famosos, mas aí era tarde demais.
O Jânio tomou posse em janeiro, mas renunciou em agosto, estava bêbado, não conseguia parar de pé. Foi presidente da república.
Quer outro exemplo? O general Costa e Silva. Esse tinha sido o primeiro da classe na escola militar. Virou ditador e também não sabia para que diabo de lugar iria levar o país. Tinha algumas manias. A mais importante era ser duro, escolher sempre a opção mais radical, baixar o pau na esquerda, fazer o que a direita queria, obedecer ao embaixador americano. Inventaram prá ele um lema, integrar para não entregar (supostamente para os estrangeiros, que queriam abocanhar a Amazônia). Gostava de uísque. Teve um avc, foi para o além. Que Deus o tenha em boa conta.
Posso até contar outras mas você vai achar que estou exagerando, brincando, sendo simplista demais. Está correto. Não consigo levar a sério. Devia.
Voltando ao centro da história, continuemos com o Huck. Ele preenche o requisito mais importante, o que é fundamental: ele quer ser presidente. Vai achar engraçado, mas tem outra figura venerada que chegou a escrever um livro (não sei se escreveu tudo, ele tem ghost writer, os rapazinhos é que escrevem e ele bota o nome) chamado ‘The Accidental President.’ Ali disse que não tinha planejado. Era verdade. Mas que queria, queria. Era ambicioso, achava até que tinha direito, vinha de boa família, dos guardiães do império, lisonjeiro, era e é mentiroso, dizia que a Miriam Leitão era bonita e inteligente. E ela sempre acreditou. É grata até hoje.
O Huck preenche outro requisito essencial. Nestas épocas, está acima de todas as outras. É a ideia que pode até colocá-lo no Planalto. Ele acha que a corrupção é o principal problema do país. Aí tem um problema. Ele tem a mania de colocar fotos com outras figuras importantes que, com o passar dos dias, se revelam grandes picaretas. E aí o pobre Huck corre nos arquivos, nas redes sociais, para apagar as imagens dele com as más companhias. Mas isso revela algo importante. Diga-me com quem andas…. E não adianta apontar o dedo pro meu lado. Estou mais limpo que bunda de bebê. Minha companheira constante é a gata branca mofada, a Esmeralda. Essa é rabugenta. Mas não é corrupta.
Não, amiguinhas. Corrupção é um problema sério. Mas nem de longe é o mais importante. Vamos parar de brincar. Abram os olhos. Estão brincando com fogo. O povaréu está com fome, desesperado com o vírus, sem saúde nem educação. Chega de enganação com posto Ipiranga, com esse cabeça desmiolado que fica fingindo dar tiro e cuja preocupação máxima é proteger filho enrolado. Fiquem nessas bobageiras e depois podem acordar. Aí, sim, é que a coisa fica feia. E pode ser tarde demais.
O FHC, o acidental, é o grande promotor do Huck. Eles se merecem. Francamente, acho que o resto, nós, não merecemos
Pergunta rápida: sucesso na televisão, no futebol, na cozinha, qualifica a pessoa para a presidência da república? E a beleza, qualifica? Se a resposta é positiva, estou eleito.
Roberto Garcia é jornalista.