Na roda dos sem teto de rua
Por Tião Nicomedes
Já não podeis, da pátria, filhos ver contente a mãe gentil.
Já raiou, o lockdown, no horizonte do Brasil…
Que sacrilégio, deturpando o Hino da bandeira!
Vocês repetem, igual papagaio. Mas, sabem mesmo, o que significa essa palavra? Com certeza não sabem.
Lockdown: confinados.
Confinados tipo albergue.
Um monte de gente confinada dentro do mesmo espaço. Cheio de regras chatas.
Por que acham que a gente corre “prá” praça? Isolamento social?
Sempre vivemos isso, bem antes da #Covid-19.
Inclusive, essa #pandemia, dizem, da nova era, coisas da nova ordem mundial.
Inventam doenças e vem com a cura.
Criam o problema e depois a solução.
A preços bem salgados.
Tipo esse amendoins, de saquinho:
bom demais e alteia a pressão. Sal, que para hipertenso, é uma bomba.
‘Tá’ falando sério?
Mais bobagem do que falam os governantes?
Cada hora dizem uma coisa. Depois desdizem.
Usa máscara.
Tira máscara.
Toma vacina, não tem vacina.
Kit #covid-19: cloroquina, vermicina.
Tubaína.
Até que de álcool a gente entende.
Brincam com coisa séria.
#Coronavírus matando centenas de milhares de pessoas. Todo dia.
A cada segundo morre alguém.
Vocês, que moram na rua, têm que evitar aglomerações: lavar as mãos sempre, com sabão, álcool em gel, tomar banho, trocar de roupa.
“Quem mora na rua é poste. A gente tá na calçada. Sim. Estamos em situação de rua. Pudesse, estava no conforto de um lar, agora, tomando cerveja em caneca de alumínio… Comendo torresmo frito. Tomar banho de chuveiro, deitar a cabeça no travesseiro ou assistindo filme no sofá da sala, comendo pipocas.”
“Vocês no fundo tem família. Tem parentes, desesperados, procurando cada um de vocês. Sempre tem alguém sofrendo. Mas vocês preferem encher o rabo de cachaça.”
¨Ow cidadão! Sem ofensas. Agora, eu te pergunto:
O toque de recolher significa alguma coisa pra você? Então, o que vossa senhoria está fazendo na rua uma hora dessas?
Essa máscara no queixo? Procurando o vírus prá levar pra dentro de casa? Quer matar quem? seus pais ou tá morando com a sogra?”
Acabou de jogar o latão de ‘breja’ no chão , olha ‘prá’ baixo.
‘E daí?
Tá pisando na bosta.”
Sebastião Nicomedes de Oliveira é “poeta das ruas”. Autor da peça teatral Diário de um Carroceiro e do livro As Marvadas é artista popular. Ex-catador e ex-morador em situação de rua, integra o MIPR (Movimento Internacional de População em Situação de Rua).
crédito da foto: Tião Nicomedes