Por Hélio Alcântara
A Democracia Corinthiana não nasceu e nem andou sozinha. Ela precisou de gente por todos os lados. Só a ação de Adilson e dos atletas que a lideravam não seria suficiente pra manter o projeto de pé.
Quando o então presidente Waldemar Pires se candidatou à reeleição, em março de 1983, até a Rede Globo de Televisão foi mobilizada. José Bonifácio Sobrinho, o Boni, todo-poderoso da emissora e acolhido como conselheiro do clube, mandou produzir “chamadas” durante a programação, convocando os associados a votarem na chapa da situação, batizada de “Democracia Corinthiana”. Personagens importantes do cenário cultural e do mundo acadêmico também se manifestaram espontânea e favoravelmente. Além disso, São Paulo foi brindada com os velhos outdoors (hoje banidos da capital) também fazendo a convocação.
No domingo à noite, 06 de março, Waldemar Pires (presidente) e Adilson Monteiro Alves (vice) foram eleitos, derrotando Vicente Matheus, que se transformara em ferrenho opositor. A Democracia Corinthiana teria, portanto, mais dois anos para mostrar ao planeta futebol que o projeto libertário era positivo, necessário e devia permanecer para colher seus frutos – no caso, títulos para o Corinthians e conquistas nas áreas das relações trabalhistas e dos direitos dos atletas profissionais.
No dia seguinte ao pleito eleitoral, o jornalista Aroldo Chiorino publicou que “(…) Numa definição ideológica, ficou bem claro que não foi uma vitória de Waldemar Pires sobre Vicente Matheus, mas sim da proposta democrática sobre a proposta autoritária, como vinham defendendo os jogadores Sócrates, Zé Maria, Wladimir e Casagrande”.
Vinte dias depois, por razões pessoais, o técnico Mario Travaglini deixou o clube e o projeto. Os principais atletas se reuniram com o vice-presidente e escolheram o lateral Zé Maria para ser o treinador do time. Sócrates, escancarando sua visão progressista, passou a se referir a ele como “nosso representante”. E, mais uma vez, diante da saraivada de críticas ferozes por parte de jornalistas, conselheiros pró-Matheus e setores conservadores da sociedade civil, Adilson buscou apoio em gente de peso. Além do corintiano Lula, apareceram músicos, estilistas de moda, publicitários, atores, cineastas, produtores musicais, políticos. Microfone (Rádio Globo, com Osmar Santos) e penas poderosas (Revista Placar, Folha de S. Paulo e um tímido Jornal da Tarde) que haviam encampado o projeto em seu nascedouro, o difundiram rapidamente. Até a filósofa Marilena Chauí defendeu a Democracia Corinthiana, escrevendo um artigo na “Folha”, enquanto o “Estadão” e outros jornais metralhavam o movimento, classificando-o como “baderna”.
Em campo, o time chegou em 4º lugar no Campeonato Brasileiro e, no final de 1983, conquistou o bicampeonato paulista – então o campeonato mais difícil e importante do país.
O ápice da ação dos atletas se deu em abril de 1984, quando Wladimir, Sócrates, Casagrande e Juninho se juntaram a Osmar Santos, Juca Kfouri e Adilson Monteiro no palanque montado no Vale do Anhangabaú para exigir, ao lado de 1 milhão de pessoas, eleições diretas para presidente.
A Democracia Corinthiana foi uma ilha democrática no meio de uma ditadura que, mesmo enfraquecida, ainda comandava o país. A Democracia Corinthiana sobreviveu porque contou com múltiplos apoios, enquanto seus líderes jogavam e denunciavam as misérias do futebol e do Brasil. Falavam pelas pessoas que não tinham voz e enfrentaram a estrutura retrógrada estabelecida – com leveza, autenticidade e alegria. No fundo, celebraram a vida e a liberdade. Como grande parte da sociedade brasileira faz agora.
Hélio Alcântara é jornalista e escritor. Autor do livro Wladimir, sobre o lateral corintiano