Cinemateca Brasileira renasce com Zé do Caixão

Por Arthur Bandeira

O paradoxo do título leva a reflexão sobre o estranho momento em que vive o cinema nacional. Ele foi destacado nesse desgoverno como o grande inimigo nacional. Inimigo rico porque existe uma grande verba represada na ANCINE e nestes 4 anos de nenhum filme foi produzido. Agora, no apagar das luzes, estão querendo produzir filmes que valorizem o porte de armas!

A mostra que reabre as atividades da Cinemateca Brasileira chama-se O cinema sem medo de Mojica, curiosamente numa sexta feira 13. A mostra conta com alguns filmes do cineasta como Encarnação do Demônio (94 min), Trilogia de Terror (101 min) O Despertar da Besta (Ritual dos Sádicos) (92min) Exorcismo Negro (100 min) e no primeiro dia será exibido A Última Praga de Mojica (17 min) e A Praga (52 min), filmes feitos a partir do restauro da obra do artista feito pela Cinemateca Brasileira.

Estranhamente (como tudo com o Mojica) não será exibido o clássico A Meia-Noite Levarei Sua Alma, o primeiro filme do realizador e onde que surgiu o personagem Zé do Caixão. O personagem que no filme chama Josefel Zatanás, o coveiro e agente funerário de uma pequena cidade num interior, foi apelidado de Zé do Caixão pela população local. Como narra o livro Maldito, de André Barcinski e Ivan Finotti, fundamental e delicioso para quem gosta do cinema brasileiro, o papel principal do roteiro era para ser vivido por outro ator e ele chamou alunos de um curso de interpretação. Foram mais de seis horas de testes, um por um, os alunos desfilaram na frente de Mojica. Eles gritavam, rogavam pragas, faziam caretas pavorosas e invocavam as forças do mal, mas nenhum foi capaz de interpretar um vilão convincente, – Esse Zé do Caixao de vocês não assusta nem barata, reclamou Mojica e profetizou – Chega de testes! Querem saber de uma coisa. Eu mesmo vou fazer o papel! E assim nasceu este gênio do nosso cinema.

No dia 14 as 16 horas acontece uma mesa sobre o cineasta com André Barcinski, Dennison Ramalho e Paulo Sacramento

O crítico e cineasta Jairo Ferreira diz: O NATURAL E TÃO FALSO COMO O FALSO, SOMENTE O ARQUI-FALSO E REALMENTE REAL. E continua: Antigamente eu respeitava os cineastas brasileiros simplesmente porque conseguiam fazer seus filmes. Hoje eu reconheço os que fazem o seu cinema. A meia Noite Levarei sua Alma pertence à classe dos filmes especiais: não interessa se é bom ou ruim; o filme e forte!

Destaco entre os filmes que irão ser exibidos, O Despertar da Besta (Ritual dos Sádicos) filme lisérgico do cineasta, lisérgico mesmo, o filme que trata da descida aos infernos e/ou paraísos da percepção.

A fita (como os cineastas chamavam antigamente o filme) ficou por muitos anos parada na censura e por causa dela eu conheci o José Mojica Marins, curiosamente não na Boca do Lixo do cinema, mas num bar ao lado do Cineclube da GV, cineclube que foi referência para cinéfilos nos anos 70-80.

Nesta época, eu estava fazendo um filme com o cineasta e videomaker, Gofredo Telles Neto, que ajudou financeiramente o Zé do Caixao a tirar a cópia final deste polêmico filme.  Sem cópia não tem filme.

O Zé era uma figura sorridente e falante com suas aterrorizantes unhas, tomava um rabo de galo, que ele brincava ser sangue, e esbanjava sua inteligência arguta.

Gofredo, que era filho de Lygia Fagundes Telles (que nessa reinauguração da Cinemateca recebeu o nome da sala em que se reúne o Conselho da Cinemateca) fez seu primeiro filme de curta metragem, Fogo Fátuo com o Zé do Caixao estrelando e foram grandes amigos.

Para terminar uso o texto do inspirado Jairo Ferreira que diz: O personagem do Zé do Caixão está seguramente para José Mojica Marins como Carlitos para Charles Chaplin ou Antônio das Mortes para Glauber Rocha. E não me parece necessário explicar, basta afirmar com todas as letras, Zé do Caixão é tranquilamente o mais fascinante personagem jamais surgido em todo cinema latino americano, a encarnação do experimental em nosso cinema.

Viva a Cinemateca Brasileira!!!!

Livros de referencia:

Maldito de Andre Barcinski e Ivan Finotti

Cinema de Invenção de Jairo Ferreira

Arthur Bandeira é jornalista, cineasta e produtor de vídeos

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