Construir Resistência
Foto: Correio da Manhã/Arquivo Nacional

Acabou palhaçada de comemorar golpe militar no quartel em plena democracia

Por Ricardo Kotscho  – colunista do UOL

Ricardo Kotscho

Sou contemporâneo do Golpe Militar de 1964, ano no qual comecei a trabalhar em jornal, e nunca me conformei com isso.

Em 1985, quando a ditadura acabou oficialmente, depois da Campanha das Diretas Já no ano anterior, voltamos a viver numa democracia, mas nos quartéis continuaram comemorando, todo dia 31 de março, mais um aniversário do golpe.

Acho que hoje é a primeira vez nesses 59 anos em que um governo civil proíbe essas micaretas militares e ameaça punir quem desrespeitar a ordem dada aos quartéis.

É simbólico que essa mudança ocorra no mesmo ano de 2023 em que o governo anterior tentou dar outro golpe contra a democracia, no último dia 8 de janeiro, que não conseguiu o apoio das Forças Armadas e foi prontamente repelido pelas forças democráticas da nação abrigadas nos três poderes.

Por isso, o dia 31 de março deste ano poderia ser aproveitado nas escolas de todo o país, para lembrar o que foi esse período que jogou o país nas trevas na longa noite que durou 21 anos, e deixou sequelas até hoje, como vimos ainda recentemente, com as frentes dos quarteis sendo ocupadas por golpistas pedindo a intervenção das Forças Armadas, com o apoio de setores militares governistas nos atos antidemocráticos que ainda estão sendo investigados.

Leitor do Estadão, jornal que participou ativamente da preparação do golpe, onde eu iria trabalhar três anos depois, ao ir para a escola naquele dia eu sabia que alguma coisa muito grave estava para acontecer no país. Mas não tinha ideia do que seria e que teria consequências tão funestas e duradouras nas nossas vidas.

Num brevíssimo resumo, tínhamos o seguinte confronto desenhado: de um lado, os militares, grandes empresários, a cúpula da igreja católica, quase toda a grande imprensa e os governadores dos três maiores estados do país (São Paulo, de Adhemar de Barros; Minas, de Magalhães Pinto e o Rio, de Carlos Lacerda), com o apoio do governo americano, preparavam-se para derrubar o presidente João Goulart, o Jango; de outro, ao lado do governo eleito, ficaram setores minoritários de militares nacionalistas, lideres camponeses, sindicais e estudantis, que eram todos considerados perigosos “comunistas” a serviço de Moscou.

Não houve propriamente um confronto de forças. Sem resistência, os “revolucionários” do general Olimpio Mourão Filho, que se autodenominava “vaca fardada”, desceram de Minas Gerais com suas tropas para o Rio e, em poucas horas, Jango era apeado do poder pelo Congresso, em Brasília, que entronizou em seu lugar o marechal Castello Branco, o primeiro da série de presidentes militares, escolhido pelo voto indireto.

O resto agora está nos livros, uma história trágica que nunca deverá ser esquecida, para que não volte a se repetir, mas jamais ser comemorada.

Vida que segue.

Foto: Correio da Manhã/Arquivo Nacional

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