Passaram a boiada no Plano Diretor de São Paulo

Por Simão Zygband

A Câmara Municipal de São Paulo aprovou nesta segunda-feira (26) em sessão extraordinária, uma alteração no Plano Diretor de São Paulo, uma vitória das construtoras que agora, por força da lei, possuem mais liberdade para demolir bairros residenciais e erguerem gigantescos e horrorosos edifícios, sem que a fiscalização da Prefeitura possa lhes incomodar.

O novo plano diretor, na verdade, apenas flexibiliza ainda mais um processo que já estava ocorrendo em vários bairros de classe média de São Paulo, cujas residências, algumas literalmente casas de vila, foram colocadas abaixo para o erguimento de horrorosos espigões.

Desta forma, bairros tradicionais da classe média paulistana como Vila Madalena, Pinheiros, Vila Mariana, Vila Anglo, Pompéia, Vila Romana, Lapa, Mooca, Aclimação, só para citar alguns (mas ocorre em todas as regiões da cidade) já foram desfigurados pela ganância da especulação imobiliária e parte deles transformados em verdadeiros canteiros de obras, com suas batoneiras, bate-estacas, caminhões carregando ferros e cimento etc.

O ex-prefeito João Doria, que acertou ao defender o confinamento e a vacinação durante a pandemia (e foi crucificado também por isso) liberou as construtoras para continuarem trabalhando normalmente. Esta “permissão” para que elas não precisassem paralisar suas atividades, não apenas desvalorizou os imóveis, pois pegou muitos proprietários de residências literalmente “enforcados”, como encontrou uma oferta de mão de obra abundante, trabalhando a qualquer preço, totalmente precarizada.

Todo especulador imobiliário, que possuía caixa para investir, encontrou um cenário muito favorável para seus negócios. Além disso, um relaxamento quase que total por parte da fiscalização da Prefeitura, que além de possuir número reduzido de fiscais, ainda estava impossibilitada de “fiscalizar” por conta da pandemia. As construtoras conseguiram comprar imóveis a preço de banana. Quando conseguiam negociar dois ou três deles em um bairro residencial, era comum o efeito dominó (cascata) entre os vizinhos. Poucos quiseram manter suas casas ao lado de uma obra e também acabaram cedendo, sucumbindo ainda à pressão das construtoras.

Eu mesmo vi nascer diante dos meus olhos, da noite para o dia, um horroroso espigão construído na frente do meu prédio. Ele tem 18 andares, totalmente fora dos padrões anteriores. Tirou totalmente a vista do meu edifício (que tem 10 andares), reduzindo o sol e trazendo frio. Noite e dia, praticamente, por mais de 3 anos, vi nascer aquele monstrengo, demolindo as casas térreas e utilizando mão de obra análoga à escravidão. Pedia, pelo amor de Deus, que as obras começassem às 8 horas, mas não tivemos força para negociar isso. Muito dos meus vizinhos achavam que aquele prédio horroroso, com apartamentos de R$ 1,5 milhão a R$ 2 milhões, iriam valorizar o nosso. Quanta ingenuidade,

Os peões chegavam no trabalho às 6h30 e as 7 horas já estavam à todo vapor. Só largavam o serviço no final da tarde, praticamente fazendo 12 horas de trabalho. Barulho ensurdecedor de bate-estaca, caminhões, marteladas, levantando pó, fizesse chuva, frio ou sol. De dia se fazia a obra, à noite paravam caminhões trazendo materiais. Movimento incessante 24 horas por dia. Com rapidez impressionante os operários foram montando as caixarias (estruturas de madeira e ferragem), que logo em seguida recebiam o concreto. Andar após andar. Tudo embotado em cimento e lágrimas, como cantou o poeta maior, Chico Buarque. na música “Construção”. Um trambolho de concreto armado.

Como também cantou o poeta Caetano Veloso, o que aconteceu em São Paulo, que apenas virou a cereja do bolo com o novo Plano Diretor, foi que a “força da grana destruiu coisas belas”. Não havia como frear o apetite das construtoras, tendo ainda um prefeito mercenário como o Ricardo Nunes, que está realizando uma triste administração e que não possui nenhuma vontade política de conter a ganância dos grandes empreendimentos, mas muito pelo contrário. As casinhas dos bairros foram aos poucos sendo dizimadas.

Como paulistano da gema, só me resta sentar na calçada e chorar. São Paulo cada vez mais árida, sufocada pelo pó e pelo concreto.

Guardada as proporções, as construtoras “passaram a boiada” na cidade, como disse um ex-ministro cretino do antigo governo, quando permitiu que o agronegócio invadisse território indígena e destruísse a floresta amazônica. São todos do mesmo time. Doria, Salles, Bozonazi, Tarcísio de Freitas, Ricardo Nunes, etc. Todos com a mesma lógica mercenária de mercado.

Teremos força para reagir?

 

 

 

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