No portão de embarque

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Por Ricardo Soares

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Recentemente levei meu filho , pela enésima vez, ao portão de embarque internacional do aeroporto de Cumbica e experimentei (também pela enésima vez) aquela sensação paradoxal de coração apertado por vê-lo partir para voltar sabe-se lá quando visto que vive no exterior já há algum tempo .

Meu filho e sua companheira tem a sorte de viver e trabalhar com relativo conforto fora do Brasil e daí vem o paradoxo mencionado acima visto que cada vez que o vejo partir aperta-me o coração , mas, por outro lado, sei que vive em lugares mais seguros, com mais respeito a civilidade e cidadania , sem o risco de ser assassinado ou brutalizado (como já aconteceu) por ter um celular ou um tênis que não seja made in China.

O assunto me veio à tona porque hoje mais cedo vi uma postagem de uma colega jornalista que experimentou sensação semelhante ao levar sua filhota para um portão de embarque e assim tenho visto muitas vezes com companheiros de geração. Os filhos partem e a gente fica aqui com o coração apertado e na mão enquanto eles voam para dias melhores que virão. É triste mesmo , mas também, alentador.

Um dos principais males do Brasil atual é não nos oferecer esperanças dos tais “dias melhores”. Não adianta a sobrecarga de carnavais, chuva, suor e cerveja porque nada parece nos devolver aquela esperança de “Brasil , país do futuro” que nos foi roubada depois de tantos anos de predação de uma casta política insensível, corrupta e cafajeste que se aliou ao rentismo , agrotoxicidade, e empresários que vivem a nos pespegar lições de autoajuda quando praticam o inverso do humanismo. E a maioria parece não enxergar como corrobora uma cena nonsense de uma torcida futebolística que ergueu uma enorme faixa em homenagem ao “benfeitor” Abílio Diniz num estádio de futebol. Só aqui mesmo para proletários homenagearem algozes como se santos fossem.

Diante do portão de embarque eu e muitos vemos os filhos partirem. Muitos para ficarem para sempre no estrangeiro depois de batalharem a cidadania em terras outras porque aqui as perspectivas e esperanças vão para a cova. É triste, mas é real.

Atrás dos portões de embarque somem as lembranças das infâncias deles, a entrada na faculdade, os primeiros amores e dissabores, os planos do que era para ter sido mas não foi. Sobram lembranças, não faltam acenos e desejos de que por pior que seja a vida lá fora será melhor do que aqui. Não me tomem por pessimista ou cético , mas diante do quadro vigente não dá para ter orgulho de viver no Brasil e nem de ser brasileiro e o ufanismo está mais desbotado do que aquela velha calça jeans azul que usamos na juventude . É o nosso passado e gostaríamos de voltar a ser o país do futuro com certeza.

Ricardo Soares é jornalista e escritor

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