Por Mario Sabino
Neymar é o perfeito herói brasileiro
Não há definição mais vívida de inferno do que cruzeiro marítimo: uma porção de gente cercada de água por todos os lados. Nunca fiz um cruzeiro, mas ninguém precisa ter certas experiências para concluir que é melhor evitá-las.
Se qualquer cruzeiro marítimo é o inferno, esse do Neymar, com 4 mil pagantes que renderam um faturamento de 20 milhões de reais, reuniu todos os seus nove círculos. Soube dele por meio da rede social antes conhecida como Twitter e rebatizada de X.
Os vídeos são nauseabundos. É o império da mais absoluta vulgaridade, do mais completo exibicionismo, com trilha sonora bastante adequada. Em um dos vídeos, Neymar recebe de um sujeito chamado Buzeira, atividade influencer, citado pela PF em investigação sobre loterias e sorteios ilegais de artigos de luxo, um colar de ouro de 3 quilos avaliado em 2 milhões de reais, além de dois anéis de ouro gigantes.
Em outro vídeo, Neymar aparece berrando o que seria uma música, cujo refrão tem um “fodeu” — reproduzido em letras garrafais no telão do show que se desenrola à sua frente. Ele muda uma palavra do refrão e faz referência à irmã da mulher com quem teve há pouco o segundo filho. Aparentemente, a cunhada mereceu a simpática homenagem porque ficou brava com o fato de Neymar ter se engraçado com outra dama dotada de grande elegância.
Vulgaridade existe em todos os lugares, do cruzeiro de 72 horas a 4 mil reais por pessoa, partindo de Santos com Neymar a bordo, às boates do triangle d’or, em Paris, onde os ricaços competem para ver quem reúne mais beldades recém-saídas das adolescência nos seus camarotes e quem gasta mais com champanhe de 40 mil euros a garrafa.
O fenômeno que nos diferencia é que, no Brasil, almeja-se a vulgaridade e os seus excessos. Pobres e ricos costumam ter o mesmo mau gosto, e o pobre sonha com o exibicionismo que o rico lhe joga na cara. O único metro é o dinheiro, não importa a sua fonte, e o que de pior ele pode comprar.
Não tenho dúvida de que a vulgaridade nos seja intrínseca, como resultado da cobiça e da luxúria que forjaram o caráter nacional, aspectos abordados impiedosamente por Paulo Prado no seu Ensaio sobre a Tristeza Brasileira. Mas arrisco dizer que ela nunca esteve tão presente desde a época colonial. Tornou-se valor social definitivo, com a perda de qualquer padrão civilizatório.
Neymar é o perfeito herói nacional. É o nosso Ulisses. O seu cruzeiro, a nossa Odisseia. Mas ele nunca precisou descer ao inferno como Ulisses, para saber se chegaria a sua casa, porque já vive no inferno e não faz a menor ideia de onde esteja, da mesma forma que os seus concidadãos.