Por Simão Zygband
Quem me conhece sabe que nunca fui sionista. Apesar da minha ascendência judaica, não tive o interesse em visitar Israel e nem pisei em solo israelense. Visitaria o país assim como visitei a França, a Itália, Cuba, o Peru ou a Bolívia. Mesmo tendo uma tia (irmã do meu pai) e primos que moram naquele país. Certamente ela não está mais viva e eles eu não tenho certeza. Perdemos totalmente o contato.
Como filho de sobrevivente do nazismo, dia 27 de janeiro, o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, sempre me foi muito significativo, pois me traz a lembrança de meu pai, que morreu no Brasil em outubro de 1988, país que o acolheu e onde pode reconstruir a família. Da que vivia em Varsóvia, na Polônia, sobraram poucos para contar, praticamente a sua irmã Hava (que morava em Holon, em Israel) e um primo, Albert, que vivia em Paris. O impacto do nazismo foi tão forte nos meus ancestrais, que se eu não tivesse um filho homem, o sobrenome do meu pai, Zygband, iria desaparecer. Albert não teve filhos e os demais sobreviventes só tiveram filhas.
Confesso que me dói profundamente o que acontece em Gaza. É uma dor aguda. Nenhuma guerra é agradável. Nem a primeira, nem a segunda e tampouco as chacinas e massacres que aconteceram na Europa, na Ásia, na África e em menor escala nas Américas. Mas elas existem. Infelizmente são da essência humana. Não existe na história da humanidade tempos onde não tenha escorrido o sangue dos inocentes. Quando muito, houve períodos de armistício no pós-guerra. E só.
Não tem sido fácil ser judeu nestes tempos. Nunca foi, aliás. Sempre se fingiu uma tolerância que se desmascara em momentos de crise, como acontece agora. Sempre ouvi, desde criança, nas “brincadeiras”, que eu era um “judeuzinho” muquirana, patrimonialista, que sempre vivia de enganar alguém para ganhar algum em cima da suposta vítima. Sempre relevei. Levei na brincadeira, sabia que aquele que me impunha alguma pecha não o fazia por mal. Era também o meu modo de sobrevivência para evitar aborrecimentos. Ainda dizem que no Brasil não existe racismo. Há todo tipo de intolerância: contra judeus, pretos, pobres, orientais, mulheres, homossexuais. Basta ser diferente que surge o nazista de dentro da alma dos ignorantes. Isso acabou desembocando no bolsonarismo. Mas há também muita falta de informação entre aqueles que se dizem de esquerda.
Mas ultimamente algumas questões estão me incomodando, principalmente após o hediondo ataque realizado pelo grupo terrorista Hamas contra inocentes em território israelense, no dia 7 de outubro, quando morreram 1.200 pessoas, executadas friamente em uma Rave e em Kibutz, exatamente onde moravam pessoas mais pacifistas e à esquerda em Israel. Segundo relatos, os ataques foram mesclados com estupros e total sadismo. A cereja do bolo foi a detenção de mais de 140 reféns, entre crianças, mulheres e idosos. Os criminosos, além de utilizarem táticas poucos ortodoxas nas guerras, em momento algum miraram alvos militares. Atingiram apenas civis.
O que veio depois não é menos cruel. Para se vingar, o extremista Benjamin Netanyahu, um intolerante alçado ao poder pelo que há de pior na política interna israelense, proporcionou um banho de sangue, atingindo 25 mil palestinos, inclusive mulheres e crianças, que também não tinham nada a ver com o estúpido conflito. Nestas guerras, o que mais jorra também é o sangue dos inocentes.
Sou daqueles judeus que, antes de qualquer coisa, defendo a existência de Israel, criado exatamente para que exista uma nação onde a comunidade judaica, ortodoxa, laica ou adepta do judaísmo simplesmente possa se sentir segura. Ela surgiu exatamente no pós-guerra como uma resposta ao nazismo. É até um sentimento de auto preservação, de auto defesa. E, nunca, nos meus 65 anos, tive tão claro a necessidade da existência de uma pátria judia. Mesmo que eu continue não pisando lá.
Não posso compactuar, portanto, com grupos radicais islâmicos que não somente chacinam judeus indefesos, como estupram mulheres em suas ações, degolam opositores, como ainda pregam a extinção do estado de Israel. Não é segredo para ninguém que o Hamas e a Jihad Islâmica são financiados pelas ditaduras do Irã e do Catar. São intolerantes que não contribuem para que se conquiste a formação de um estado palestino, que não sairá na marra, mas sim fruto de intensa negociação, de um espírito de paz e cordialidade.
Não se iludam: o que temos hoje é uma guerra de iguais, de intolerantes, de radicais islâmicos e sionistas. Infeliz de quem convive entre os dois lados do radicalismo. Há perdas de lado a lado. É como escreveu uma repórter israelense que me foge o nome: Há democracia em Gaza governada pelo Hamas? Então experimente ir para naquele território defender causas gays ou professar a religião cristã, judaica ou de matiz africana….
A questão palestina, como disse anteriormente, não é um simples Fla x Flu ou Timão x Verdão. Não é um tema para torcidas. É muito mais complexo do que parece. É triste no Dia Mundial em Homenagem às Vítimas do Holocausto ter que assistir o festival de horrores que se transformou o conflito Israel x Hamas (travestido de questão Palestina). Uma vergonha mundial. Uma guerra tão difícil que o Tribunal de Haia preferiu ficar em cima do muro. Jogou para decidir daqui há anos se Israel realmente pratica um “genocídio”, como quer a África do Sul (e endossado pelo Brasil). Mas pediu que sejam libertados imediatamente os 130 reféns em poder dos radicais islâmicos e não entrou na fundamental questão do cessar-fogo, que é absolutamente necessário.
É importante lembrar que neste dia, há 79 anos, foram libertados os sobreviventes de Auschwitz. Os demais foram assassinados em câmeras de gás ou através de execução sumária. Foram mortos 6 milhões de judeus. E em Auschwitz nunca entrou nenhum tipo de ajuda humanitária, mas pelo contrário.
Que me perdoem o desabafo.
Simão Zygband é jornalista, editor do site Construir Resistência, com passagens por jornais, TVs e assessorias de imprensa públicas e privadas. Fez campanha eleitorais televisivas, impressas e virtuais.
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