Por Gisele Lemos
Se era dia de segunda ou de quarta, tanto fazia. Quando noitinha de verão, e logo após o precoce jantar, saíamos de casa: eu e ela. Com cabelos úmidos e cheiro doce íamos quase saltitantes espalhando a marca do shampoo pelo caminho. Levávamos também toda aquela nossa alegria jovial que transparecia nas bochechas tão cheinhas de risadas para dar. Uma alegria inocente das quase ainda crianças – já adolescentes. Ah, a adolescência! Íamos eu e ela assim, pelas ruas do bairro – Nos sentíamos tão gigantes! Escolhíamos as novidades entre texturas de paredes, pichações, sons, carros, bicicletas, meninos descalços correndo na praça, senhores do dominó; eram tantas as pessoas bonitas e interessantes passando pela rua… Incrível como todas e quaisquer coisas se vestiam de beleza e novidade naquelas noites jovens. Às vezes, cansadas de caminhar, sentávamos em uma pedra que ficava em uma calçada qualquer. Ali ríamos à toa, uma da outra, e só porque criávamos palavras novas para nossas conversas particulares. Um novo vocabulário para preencher agenda. Revíamos as folhas e datas especiais. Colávamos papeizinhos de bombom e balas Freegels e fazíamos anotações coloridas com caneta glitter. Combinávamos e trocávamos roupas, livros, sapatos, fitas cacetes, papéis de carta, cds. Ouvíamos dance music, Nirvana, Pearl Jam e Legião Urbana. Alugávamos filmes em locadoras e assistíamos na tv gigante da sala de estar da casa dela. Dormíamos juntas revezando casas. Nos levávamos como companhia, uma da outra, em todas as festas de família, também à praias e viagens – inseparáveis amigas a rir, abraçar-se e cochichar. Modernas que éramos, com nossas correntes, casacos xadrez e tênis All Star. Felicidade era ter um walkman – cantávamos músicas em inglês e traduzíamos frases com uma moderna parafernália que continha um dicionário eletrônico. Muitos nos julgavam excêntricas ou desviadas – era incomoda a amizade de duas mocinhas na flor da idade. – Não vai arrumar um namorado?! Perguntavam os maldosos. Éramos tão indiferentes às críticas. Tua mãe era minha tia, e às vezes era minha mãe também. Assim como teu pai e teus tios, a segunda família que amo – até hoje. Falávamos de paixões e de futuro: seríamos o que? Já nem sei! Talvez eu tenha dito atriz. Era isso?! E você? Não lembro! Víamos os meninos e achávamos quase todos os rockeirinhos interessantes – só porque falavam de RPG, andavam de Skate e sabiam sobre tecnologia e músicas – nossa top list anos 90! Eu fiquei bem pop e comum ao longo dos anos. Mas ela provou que gosta mesmo de tudo que é underground, até hoje. Não tínhamos sorte no amor, eu lembro. Mas não havia sofrimento porque os amores eram segredos tão nossos, sem quaisquer pretensões de acontecer. Serviam apenas de temas para poemas. Às vezes eram motivos para porres de vinho barato – que aconteceriam por qualquer motivo inventado, coisa da idade! Os Amores platônicos serviam mesmo como jogo de combinação de letras na brincadeira de SAPINO. Vou casar com alguém com a letra A, vou ter um filho em 2021 – credo: 2021!??! Nesta data já serei muito, muito velha!! A nossa sorte era na vida mesmo. Éramos livres sonhadoras de um próspero futuro. Pensávamos em coisas, mas não lembro de pensarmos em como tê-las ou fazê-las. Pensávamos nas possibilidades: viajar o mundo (ela foi pelo mundo e agora mora bem longe – sinto orgulho!), ir a um mega show (fugimos de casa até o Rock in Rio de uniforme escolar e dormimos em uma canga, como esquecer?). Pensávamos em ficar lindas de cabelo e unhas feitos, salto alto, batom e ter um carro vermelho metálico. Dançávamos livres nas matinês de domingo e nos protegíamos nas idas ao banheiro. Tínhamos uma a outra e às vezes umas às outras – éramos tantas juntas, e não no sentido figurado! Erámos amigas andando em grupo e inseparáveis!
Vocês me escreviam cartinhas de amigas para sempre, de juras e pactos de amizade, também cartões de natal. Eu nunca fui sensível assim… com ninguém, eu sei bem disso.
Mas tenho aprendido sobre o assunto…
Tenho pensado sobre ser mais presente para vocês, amigas! Eu ainda não consigo ser tão legal quanto vocês. E, porque sou assim mesmo – vocês sabem! E, que bom que sabem, né?! Até nisso são tão generosas, vocês não me fazem parecer ser tão estranha!
Crescemos… fizemos faculdades diferentes, tivemos hobbies diferentes, mudamos de escola, de cidade, de emprego; de namorado e de marido. Ficamos solteiras novamente. Mas, estamos até hoje juntas neste laço de amizade. Criamos dias só nossos e grupos só nossos: Turma do Funil, Amigas para sempre, Clube da Luluzinha, e por aí vai…
Mas sobre mim, veja bem, hoje até passei a madrugada na live só para agradar algumas de vocês (sou velha – para mim tudo é live!)
Faltei sim a muitos eventos nossos, mas me dói agora, com essa contenção de nossos encontros, não poder escolher ficar em casa nas datas dos rolés. Só queria poder escolher ficar em casa, e não ficar em casa obrigada! Kkkk Brincadeiras à parte…
Do que se trata afinal a amizade entre mulheres?
Não se trata de nada em específico, mas ao mesmo tempo se trata de divindade e de solidariedade. É que uma amiga compra roupa nova e se lembra de me presentear com aquele vestido bonito que não usa mais. A outra passa cedo aqui em casa e me pergunta se quero algo do mercado. A outra, se eu chamar agora, sei que vem lá do Engenho estar aqui! Tem uma que me chama para todas as festas, eu devo ter ido em duas, mas ela não desiste de mim. Tem aquela que gosta das minhas histórias cômicas. Ela ri demais, até chora de tanto rir – não é segredo, ela já fez xixi nas calças por causa disso.
Às vezes recuso umas lives. Essas garotas ligam do banheiro pra falar que tá tudo bem com o intestino! Noutras vezes a live é só para disputar quem bebe mais cerveja, suco, quem come hambúrguer primeiro. Tem dia que é para mostrar o prato de comida, valha-me Deus! Aline só come biscoito, só come de madrugada, eu hein! Outros dias elas ficam mostrando as “Catipotrancas” (são palavras que embutimos em nosso vocabulário). Mostramos os cabelos, as cores dos cabelos e os cortes e as unhas e os gerominhos (é catipotranca, nem vale a pena traduzir para vocês). Essas garotas! Eu tenho mais o que fazer… Às vezes o meu “mais o que fazer” é ficar aqui pensando sobre essa nossa amizade de tantos anos. Às vezes também penso em amores e cruchs, mas deixa para lá! Kkkkkk
Se uma chora já marcamos aquele encontro para explanação dos fatos, cada qual organizadamente dá a sua opinião. Se havia choro, já estamos novamente nos acabando de rir. Sabe que não me lembro de intrigas ou fofocas entre nós. Às vezes pegamos uns ranços sim, uma da outra. Rolam umas discussões acaloradas, mas logo passa. É que essas minhas amigas são fogo mesmo! Rasgamos seda umas para as outras: Linda! Poderosa! Gostosa! Competente! Arrasa!
Lembrei de você – toma aqui! Lembrei de você, olha isso? Vem comigo! Vem comigo! Vem comigo!
Escreve! Fala! Dança! Acredita!
Amigas… algumas foram por aí, mas sei quem são… sei que são, porque estão no meu coração.
Esses dias minhas meninas me fizeram refletir o que agora escrevo. Uma foto. Uma foto em que eu não estava, e que dizia: – vamos repetir o encontro maravilhoso – Gisele não veio de novo – traidora! Ah, vocês sabem! E que bom que sabem! Sabem como eu sou… É coisa minha: me trancar em mim mesma como uma canceriana nata… Mas elas me desafiaram! – Depois do Coronavirus, minha amiga Gi, você não vai mais faltar a nenhum evento.
Eu disse – É mesmo, com certeza não vou faltar!
Mas sei que minto! Minto porque minha natureza é ficar aqui quietinha por algumas luas… Mas AMIGAS, todas vocês… as AMO, é certo! Mulheres da minha vida, uma eu feri – foi parte tão grande desta jornada doce-amarga. Fez-me retomar os sentidos e o sentido primal da vida, que é o de sermos UMA. Vocês nunca me deixaram, amigas minhas. Eu sendo uma chata, tantas vezes rabugenta, mal humorada, melancólica, chorona… vocês tem a coragem de me chamar de alma da festa, tantas vezes! Vocês me ouvem quando falo e me respeitam em minhas posições e valores. Fazem-me guru, veja bem?! Eu me realizo quando as faço rir e dou minhas palestrinhas. Quando conto histórias e assim tento confortá-las. Estou aprendendo a me doar. Vocês insistiram tanto em mim. Insistem tanto em mim, todo dia! Todas vocês! E nessa roda linda que gira, e vai girando, movendo, transformando e sendo tão elementar… aprendi a amar as mulheres, enfim! E assim ter paz com a mulher que há em mim. Demorei tanto tempo para isso… não serei responsável, nunca mais, por qualquer lágrima de tristeza que possa escorrer de um rosto de mulher, que é meu. Que sou eu. Eu sou, porque nós somos – nunca vi tanto sentido…
Vocês sacodem tudo, minhas amigas incentivadoras… é força, beleza, corpo, dança e carinho. Tem cuidado, troca de informações, de orações de dicas de beleza e saúde. Tem fé e esperança. E também alegria e perseverança. Tem bondade e empatia. Tem Deus, benção e paz. Tem evento, meme engraçado, aventuras, conselho e também reflexão. Vocês estão sempre por aqui pertinho e no meu coração. Não me deixam só em nenhum momento. Edna, a primeira das grandes mulheres amigas. Minha mãe! Os nomes das outras estão em todo lugar… listei, mas são muitas! São todas vocês! Amo vocês minha rede de mulheres amigas!
Quando penso em você, amiga, é oração que faço. Porque cada mulher é Deus materializado.
Bom, espero ter respondido à pergunta para vocês. Porque amizade entre mulheres se trata de divindade.
Gisele Lemos é professora da educação infantil e diretora de uma unidade escolar na cidade do Rio de Janeiro.
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Que texto maravilhoso!!!!! Me vi nele. Parabéns Gisele ! Amo ler seus escritos