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A greve pela vida

Fernando Rodrigo dos Santos Silva

 

Há um ano o Brasil enfrenta uma guerra ambígua contra a pandemia do covid-19. Há setores da sociedade civil que defendem posições apoiadas na ciência e sugerem ações de isolamento social, uso de máscaras e socorro aos mais vulneráveis. Todavia, há ainda posições sustentadas pelo negacionismo, como a do governo federal que tem buscado sistematicamente desarticular as medidas sanitárias, econômicas e sociais que atenuariam os efeitos da pandemia no país, visíveis na crise econômica e humanitária. Estamos com mais de 300 mil mortes.

 

Há uma luz no fim do túnel, já há vacinas desenvolvidas sendo aplicadas no mundo todo. Porém, a marcha da vacinação segue lenta no país e os brasileiros cansados de um isolamento frouxo já dão sinais de esgotamentoao forçar o retorno à “normalidade” diante do caos.

 

No centro do debate sobre o que deve abrir em plena crise sanitária, há uma pressão internacional pelo retorno das aulas presenciais nas escolas. Sociedades de pediatria têm sido convidadas a apontar os efeitos negativos do isolamento em crianças e jovens, impedidos de se socializarem. Enfatiza-se que este público não seria afeito aos casos mais severos da covid-19, embora funcionem como vetores de transmissão para grupos prioritários.

 

Por aqui, os efeitos das desigualdades sociais ganharam relevância para sustentar o retorno das atividades presenciais escolares, enumera-se: parcela significativa dos estudantes brasileiros não tem acesso à internet (equipamentos, dados etc.) para as aulas remotas e depende da alimentação escolar para ter o número mínimo de refeições diárias, além da exposição a contexto de violência, sem o meio turno de atividade escolar, agravada pela ausência dos adultos da família que precisariam voltar ao trabalho.

 

Por trás da fala atenta à saúde psicossocial deste grupo em idade escolar está o papel central exercido pela escola em sociedades como a nossa: o lugar de guarda e proteção destes jovens, sobretudo para famílias que se ausentam dos lares para exercer alguma atividade remunerada. A escola é uma instituição central para o funcionamento das sociedades modernas, não só pela preparação dos jovens, mas porque ela organiza o tempo da produção nas cidades. Deste modo, justifica-se a pressão pelo retorno às atividades presenciais, apesar dos efeitos desta decisão.

 

Retirados do debate público, os professores têm se organizado para reagir à pressão que os ignora nesta polêmica. Assim, vimos surgir uma nova modalidade de luta: a greve pela vida. Se a greve tradicional é uma estratégia da classe trabalhadora baseada na suspensão total das atividades laborais. Esta nova tática se baseia na suspensão das atividades presenciais nas escolas, mas mantém as atividades remotas. O que derruba o argumento de que os professores se recusam a voltar ao trabalho.

 

O que se pretende nesta modalidade é a salvaguarda da vida dos profissionais da educação e da comunidade escolar, e o direito a exercer suas atividades de modo que lhes seja assegurada a sua vida e a de seus familiares. Na contramão deste pleito, os governos se mostram surdos e insistem em abrir as escolas com protocolos irreais, dada a estrutura da maioria das escolas públicas brasileiras, tanto no que se refere à metragem das salas, à circulação de ar, à carência de profissionais, entre outros fatores. Há greve pela vida estourando em várias cidades brasileiras.

 

Em Duque de Caxias, município da Baixada Fluminense (RJ), o ano letivo iniciou em bandeira laranja no dia 8 de fevereiro e com a greve pela vida aprovada em assembleia online. Apesar do trabalho remoto destes professores, o prefeito Washington Reis (MDB) ordenou o corte de ponto dos grevistas, ignorando o decreto municipal de 2020, ainda em vigor, que regulamentou o trabalho remoto. O movimento grevista resiste a duras penas.

 

Na sexta-feira, dia 12 março, a Secretaria Municipal de Educação (SME) do município enviou e-mail às escolas suspendendo as atividades presenciais na cidade em razão da entrada do município na bandeira vermelha. No dia seguinte, o prefeito Washington Reis publicou um comunicado oficial informando à população que as aulas das Redes Municipal e Privada de ensino continuariam no formato presencial. O documento não apenas desautorizou a secretária de educação como gerou a sua queda.

 

Duque de Caxias está em bandeira roxa desde o dia 17 de março e apesar do decreto do governador Claudio Castro – considerado frouxo por autoridades sanitárias– suspender as aulas presenciais no estado no período entre 26 de março e 4 de abril, Washington Reis insiste nas aulas presenciais, graças a um decreto publicado na cidade,na noite do dia 25 de março, afrouxando mais as medidas de restrição estadual. Vale destacar que não há uma normativa para o afastamento dos professores com comorbidade no município.

 

No sábado, dia 27, a justiça concedeu uma liminar suspendendo o decreto municipal e obrigando a prefeitura a manter as escolas fechadas para aulas presenciais no município. Apesar da liminar, nesta segunda-feira, dia 28, algumas escolas abriram normalmente e em entrevista concedida à imprensa, o prefeito avisou que irá recorrer da decisão. A luta se anuncia longa entre um prefeito negacionista, que insiste na normalidade da situação apesar da bandeira roxa, e uma classe profissional que encarna o sentido público da sua atividade.

 

Em um contexto de intensa precarização das relações de trabalho, os professores públicos são uma das poucas categorias profissionais organizadas que conseguem fazer o mínimo enfrentamento de agendas comprometidas com o massacre da classe trabalhadora. Neste sentido, apoiar a luta dos professores é também defender os anseios de todos os trabalhadoresem um cenário hostil a estes agentes. À greve pela vida!!

 

 

*Fernando Rodrigo dos Santos Silva é professor da Educação Básica no município de Duque de Caxias/RJ, doutor em Educação pela PUC-Rio e grevista pela vida.

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