Por Yuval Noah Harari – Haaretz
O fracasso do governo Netanyahu durante a guerra não é acidental. É o fruto amargo de muitos anos de políticas desastrosas. A decisão de infligir a Gaza uma catástrofe humanitária resultou de uma combinação de três fatores de longo prazo: falta de sensibilidade ao valor das vidas palestinas; falta de sensibilidade à posição internacional de Israel; e prioridades distorcidas que ignoraram as reais necessidades de segurança de Israel.
Durante muitos anos, Netanyahu e os seus parceiros políticos cultivaram uma visão de mundo racista que habituou demasiados israelitas a desconsiderar o valor das vidas palestinas. Uma linha directa vai do pogrom de Hawara, em Fevereiro de 2023, à atual tragédia humanitária em Gaza. Em 26 de fevereiro de 2023, dois colonos israelenses foram assassinados enquanto dirigiam por Hawara, na Cisjordânia. Como vingança, uma multidão de colonos incendiou casas, lojas e carros em Hawara e feriu dezenas de civis palestinianos inocentes, enquanto as forças de segurança pouco ou nada fizeram para impedir a indignação.
Aqueles que se habituaram a queimar uma cidade inteira em vingança pelo assassinato de dois israelenses, tomaram como certo que era aceitável devastar toda a Faixa de Gaza em vingança pelas atrocidades de 7 de Outubro.
Não há dúvida de que o Hamas é uma organização assassina que em 7 de Outubro cometeu crimes hediondos. Mas Israel deveria ser um país democrático, que mesmo quando confrontado com tais atrocidades, continua a respeitar as leis internacionais, a proteger os direitos humanos básicos e a respeitar padrões morais universais.
É por isso que países como os Estados Unidos, a Alemanha e a Grã-Bretanha nos apoiaram após o 7 de Outubro. É claro que os países democráticos têm o direito – ou melhor, o dever – de se defenderem, e na guerra é por vezes essencial tomar ações muito violentas para alcançar objectivos políticos vitais.
Parece, no entanto, que muitas das ações tomadas por Israel após o 7 de Outubro foram motivadas por uma sede de vingança, ou pior, pela esperança de que centenas de milhares de palestinos seriam forçados a sair permanentemente de Gaza.
Yuval Noah Harari é professor israelense de História, autor do best-seller internacional Sapiens: Uma breve história da humanidade, Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã e 21 Lições para o Século 21. Seu último lançamento é Notas sobre a Pandemia: E breves lições para o mundo pós-coronavírus.
Matéria publicada originalmente no link abaixo do jornal israelense Haaretz – íntegra.
Nota do editor – Construir Resistência publicou trecho da matéria com título
“De Gaza ao Irã, o governo de Netanyahu está a pôr em perigo a sobrevivência de Israel” e com olho (enunciado) “Israel enfrenta uma derrota histórica, fruto amargo de anos de políticas desastrosas. Se o país agora priorizar a vingança em detrimento dos seus próprios interesses, colocará a si mesmo e a toda a região em grave perigo”. A Síndrome de Sansão é um intertítulo do referido texto.