Sobre a triste polêmica “Juliette é artista?”

O quiprocó repercutiu tanto que chegou aos meus feeds de notícias e postagens. Não deu para recorrer à alienação. Nem com muito esforço.
 
Começou com a fala tóxica da atriz e cantora Samantha Schmütz, questionando a qualificação de “artista” concedida por parte da imprensa e do público à moça paraibana.
 
Alguns curtiram e esticaram a maledicência. Outros, no entanto, ficaram incomodados ou mesmo furiosos com o comentário.
 
Francamente, fiquei atordoado com os golpes baixos desferidos contra uma mulher que é muito mais do que a campeã do BBB.
 
De cara, me lembrei de um frase dolorosa de Van Gogh, um imenso talento que sofreu inúmeras humilhações em vida, e cuja obra, muitas vezes, foi desprezada enquanto arte:
 
– Pode haver um grande fogo em nossos corações, mas ninguém vem se aquecer nele, e os transeuntes veem apenas um fio de fumaça.
 
Quando criança, eu me sentava em um banquinho e assistia à coreografia de pintor de meu avô calabrês. Já lento, ele se distanciava da tela, calibra o olhar, media o espaço, imaginava a cor e girava a pincelada precisa.
 
Meu avô era um exímio flautista e também um virtuoso pintor. Socialmente, no entanto, era reconhecido como um operário decorador de ambientes, ofício pelo qual ganhava seu sustento.
 
Na minha cabeça, Vovô Michelle Antônio foi sempre um trabalhador artista, que deixou sua marca neste mundo.
 
Alberto Giacometti, mais conhecido por suas esculturas, uma vez sentenciou:
 
– O objetivo da arte não é reproduzir a realidade, mas criar outra realidade de mesma intensidade.
 
Creio que vale para a pintura, para o teatro, para a literatura, para a dança, para o cinema e para a música. É artista todo ser humano que conduz a fruição estética pela estetização de sons, cores, formas, falas, escritas e movimentos, reconstituindo a magia do mundo em dimensões alternativas de percepção e cognição.
 
Questões conceituais à parte, percebe-se que Juliette atrai um tipo infame de preconceito, ainda não devidamente nomeado. Não é racismo, não é machismo, não é misoginia, não me parece que seja nada do que já classificamos.
 
Em determinados nichos, Juliette sofre rejeição porque é NORDESTINA. Muitos brasileiros do centro-sul sempre tiveram essa postura de desprezo e nojo pelas irmãs e irmãos do Nordeste.
 
Em São Paulo, coisas feias ou mal feitas são, até hoje, consideradas como “baianadas”. O mal vestido é chamado de “baianão”.
 
No Rio de Janeiro, a elite é implacável com as mesmas pessoas. Lá, no entanto, as carimbam pejorativamente como “paraíbas”.
 
O termo “cabeça chata” é largamente utilizado pelos não-nordestinos na simbologia da estigmatização. Lula é odiado por inúmeros motivos. Um deles é o fato de ser nordestino.
 
Pelo menos um alento. A mesma Samantha, talvez impactada pelo estrago em sua reputação, veio a público se desculpar. Escreveu:
 
– Galera, estou passando aqui, eu queria ter vindo antes, mas eu precisei refletir, digerir, chorar, precisei entender que, realmente, meu comentário foi superinfeliz. Foi carregado de ódio, de mágoa, de falta de empatia.
 
Depois, emendou:
 
– Uma pessoa que só faz o bem para o Brasil, na verdade. Tem pouquíssimo tempo de carreira, de artista, sim, porque está cantando, fazendo show, está lotando, tem seus fãs. E eu fiz esse comentário totalmente desnecessário, descabido, eu estou supertriste. Eu aprendi, pode ter certeza, com isso.
 
A esperança é que Samantha tenha mudado de opinião por sensatez e sensibilidade, e não por necessidade e conveniência.

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