Os carcarás no final do banquete

Por Fernando Castilho

Poderia chamá-los de abutres porque é da natureza dessa ave aguardar até que outros animais se fartem de devorar a presa e só mais tarde, quando sobrarem restos já putrefatos, se servirem dela.

Mas a carne ainda não está putrefata e permanece incrivelmente generosa, apesar dos bocados insaciáveis desferidos por bicos enormes. Portanto, estamos falando de outra ave, o carcará, ave aparentada com o gavião, frequente na Região Nordeste, aquela que pega, mata e come, como canta Maria Bethânia.

O Brasil se tornou vítima da promessa de Jair Bolsonaro feita a Donald Trump e Steve Bannon, que não se tornaria presidente para construir, mas sim, para destruir. Promessa cumprida. Aliás, a única.

Para qualquer área para a qual nos voltarmos, veremos o processo de destruição em andamento e, em certos casos, quase concluído.

A Saúde só não foi totalmente sucateada e privatizada porque o SUS foi o sustentáculo da resistência durante a pandemia, apesar dos esforços do presidente e seus ministros, colocados no cargo exatamente para cumprirem o papel de verdugos da pasta. Quanto levaram da saúde? Quanto levariam se a CPI não tivesse descoberto a trama?

A Educação, infelizmente não resistiu como a saúde, já que não possui um sistema único, mas os esforços para destruí-la foram recompensados com drástica redução de adesão ao Enem, demissão em massa de profissionais qualificados para a elaboração dos exames, ausência de um plano para enfrentamento das dificuldades dos alunos em prosseguirem acompanhando as aulas remotamente – o que causou enorme evasão escolar e atraso de anos no aprendizado, com consequências sérias para suprir o país de profissionais qualificados num futuro próximo – e corrupção, muita corrupção.

No Meio-Ambiente vimos a inauguração de uma nova modalidade de gestão, aquela que vai no sentido contrário da finalidade do ministério. O Ibama foi seriamente enfraquecido, o que permitiu que muita gente lucrasse com o desmatamento, as queimadas, o garimpo ilegal em terras indígenas e a tentativa de venda de madeira, feita pelo próprio ministro, aos Estados Unidos.

O ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos foi tão descaracterizado que hoje até seu nome foi desfigurado para ministério da Damares. Tudo que foi possível ser feito contra os indígenas e contra o direito das mulheres a administrarem seu próprio corpo, foi cumprido com louvor pela ex-ministra. Ninguém deve esquecer que a pasta enviou capangas para pressionar psicologicamente e até com ameaças físicas uma menina de apenas dez anos a dar à luz em condições de risco extremo, uma criança, fruto de estupro. A corrupção no MEC vazou, mas a do ministério da Damares, talvez mais encorpada, se mantém oculta a nossos olhos.

Mas, e o carcará, o que faz neste momento?

Está próximo o tempo em que os carcarás terão que deixar o governo, se o rito das eleições prevalecer. Alguns já devoraram seu bocado e bateram asas para escapar a uma prisão, se protegendo nos cargos que disputarão no parlamento ou em governos estaduais. Outros, ainda não saciados, arrancam freneticamente nacos do país, como os deputados e senadores que compõem o centrão, os ministros generais que permaneceram no governo e o próprio capitão.

Arthur Lira, Ciro Nogueira e seus comandados não se importam nem um pouco se Bolsonaro tentará um golpe ou não. Criaram a figura do estranhíssimo orçamento secreto, algo que todo mundo sabe que existe, mas que ninguém tem conhecimento da destinação. Um naco de carne de primeira muito generoso que não vão querer largar, mesmo que seja dado um golpe.

Os militares carcarás de alta plumagem garantiram seus salários polpudos e suas toneladas de picanha e salmão regadas a muito vinho, uísque e cerveja.

Carcarás já conseguiram entregar a Eletrobras, uma empresa que dá muito lucro e é estratégica aos brasileiros a preço de banana. Qual o tamanho do naco que levaram?

Tem carcará falando em privatizar a Petrobras, mesmo em fim de governo. Que importa se com a medida o preço da gasolina não baixe um centavo sequer? Será que ele tem esperança de que consiga seu intento nos 7 meses que faltam para ser espantado para outras plagas? Ou aposta no golpe para se refastelar do banquete?

Estão todos se empanturrando no ocaso desse governo.

Só há um predador capaz de dar cabo dos carcarás e ele está vindo.

Paradoxalmente esse predador é da paz.

Uma grande pomba que vem com força e não vem sozinha, pois confia na união de todos, posto que a tarefa é penosa, difícil e perigosa.

Ela não tem medo de ser feliz e há de vencer.

 

Fernando Castilho é arquiteto e professor. Criador do Blog Análise e Opinião

 

Resposta de 0

  1. É um quadro absolutamente sem retoques, “Os carcarás no final do banquete”, nada mais apropriado enquanto metáfora para mostrar a que ponto o ódio chegou, com 57 milhões de votos. E apesar da sanha predatória, o inominável ainda desfrutar de quase 30% de intenções de votos, ou quase 1/3 do eleitorado. Estamos assistindo, uma transfusão de sangue, do doente para o médico…..

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