Por Carlos Monteiro
Não ladrilharia com as tais “pedrinhas de brilhantes”. Refloriria. No Dia do Jardineiro – 15 de dezembro -, com belas rosas, dálias, crisântemos, jasmins, petúnias, margaridas, para que ficasse com a cara dos “jardins do céu”.“…A beleza das flores realça em primeiro lugar/É um milagre do aroma florido/Mais lindo que todas as graças do céu/E até mesmo do mar…”.
Voltei na história-floricultura, dos cravos que aplacam algozes, do caminhar sem lenço e documento, neste Sol cáustico de dezembros, voltei ali em Ipanema, das moças coloridas pelo Sol. Ah Ipanema, Ipanema não há mais. A “Casa Futurista”, como escreve Joaquim Ferreira dos Santos; “Museu de Belas Artes da intimidade feminina” se foi.
A “Shaika”, se foi, o “Veloso” se tornou “Garota”, o “Gordon” virou cafeteria, o “Mau Cheiro”, e mau cheiro que vinha de lá, pura implicância dos frequentadores daquele memorável bunda de fora, deixou de ser point das madrugadas Leilianas. O Jangadeiro, embarcado pelo Dragão do Mar, foi para águas infinitas, está nos braços de Iemanja. Para aonde foram Caio Mourão, Roniquito, Leila e toda a intelligenza carioca? Estarão lendo o “Sol” nas bancas de revista, que enchem meu coração de alegria? E escadaria da Saint Roman, em Copacabana, que tantas vezes subi para estagiar no brilho da contracultura. Saudades da Dona Neuma, do Eufra de Abreu, do Jagar, do Nani e do Henfil na redação d’O Pasquim.
Com “os amores na mente, as flores no chão/A certeza na frente, a história na mão/Caminhando e cantando e seguindo a canção…”, eu vou! Mas, onde estão as flores?
Aprendendo e ensinando uma nova lição, conversei com a minha querida Celina Carvalho, que eu chamo, carinhosamente, ‘Dama Ramalhete’, viúva do saudoso e inesquecível cantor-poeta Tavito, que colhia a pimenta e o sal com magnitude gigantesca e plantou muitos amigos do peito e nada mais, sobre as músicas que ele compôs, seus significados, suas histórias, suas mineirices e fontes de inspiração, bem como minha curiosidade sobre alguns temas e porandubas.
Papo foi, papo voltou alegremente, com histórias sensacionais de nosso amigo, ela me passou um depoimento, lírico e emocionante. Vi uma lágrima no canto daqueles olhos castanhos-esverdeados, falar do seu amado e sempre amadíssimo para todo e sempre, Luís Otávio. Companheiro de palco de nada mais, nada menos que Vinícius de Moraes, cujas cartas trocadas entre ambos ela guarda carinhosamente numa caixinha de marchetaria, ricamente ornada e decorada, como dizem os antiquários.
O mais constante parceiro nas obras musicais, Ney Azambuja, sobre as narrativas de várias composições. Como nasceram, quem foi a musa inspiradora ou a fonte onde beberam, em que momento aconteceram, e por aí vai… Todas de muito sucesso, uma delas, “Rua Ramalhete”, “Sem querer fui me lembrar/De uma rua e seus ramalhetes/ Do amor anotado em bilhetes/Daquelas tardes//No muro do Sacré-Coeur…”, uma volta a adolescência de todos nós, gravada em versão até para o japonês, ficou imortalizada na voz do próprio autor e em interpretações memoráveis de um número enorme de bardos. Um deles, Wando, e sua polêmica em relação aos Beatles virem ou não ao Brasil. Mudou a letra de “…será que algum dia eles vêm aí, cantar as canções…”, para “…pois sei que eles jamais virão aqui, cantar as canções…”. Wando, fogo e paixão, era um romântico-rebelde incurável.
Relatou Ney: “— Sábado, casa do Tavito. Não tínhamos a menor ideia de por onde começar a compor. Não tínhamos um tema em mente, nada. Mas quando tem que acontecer, a vida sempre dá seu jeito. Tavito fazia alguns acordes no violão, eu rabiscava frases soltas numa folha em branco, quando toca o telefone. Era minha mulher avisando que estava recebendo uma amiga em casa. Essa amiga, isso nós já sabíamos, era mineira. Morou na Rua Ramalhete. Namorou o Tavito. Pronto, já tínhamos o caminho. Começamos a conversar sobre as experiências e sensações da adolescência… os versos e a melodia foram surgindo.
Cada palavra e cada acorde foi medido, pensado, revisto, para transmitir da maneira mais autêntica aquelas sensações. O sucesso da música, que mais de 40 anos depois ainda emociona, mostra que conseguimos. Cada um de nós tem a sua própria ‘Rua Ramalhete’. Ao seu tempo, a memória sempre surpreende trazendo de volta a nossa rua da adolescência, esteja ela onde estiver.”.
A rua Ramalhete fica em Belo Horizonte entre os bairros Anchieta e Serra. Tem esse nome singelo, envolto em certo lirismo de memórias guardadas numa adolescência especial, em tremores, tardes fugidias.
Noutras palavras sou muito romântico encontro-me na rua das Flores em Bonsucesso, na rua das Rosas que graceja em três bairros cariocas: Vila Valqueire – na verdade Vila V Alqueire – cinco em romanos-, São Cristóvão e Cidade Universitária e não briga com a rua do Cravo na Penha Circular. É um Rio florido de rua das Hortênsias, das Orquídeas, do Lírio, das Violetas e das Margaridas.
Sabe de uma coisa? Eu vejo flores em você. Da alma, a mais linda flor!
Carlos Monteiro é jornalista e fotógrafo
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Não tenho palavras, que definam meu sentimento nesse momento! Talvez gratidão, ao querido Carlos Monteiro, pela delicadeza dessa crônica, que me emocionou profundamente! Parabéns.
Profundamente emocionada, com essa crônica do querido amigo, Carlos Monteiro! Gratidão.