Construir Resistência
restos-comida

Por Sonia Castro Lopes

Restos de comida. Restos de brinquedos. Restos de dignidade. Restos de esperança. A vida dos moradores de rua se resume a isso. Só restos. As pessoas passam indiferentes, algumas param e lhes dão uns trocados para aliviar a consciência, outras apressam o passo como se quisessem fugir daquela realidade que a cada dia se torna mais presente nas ruas da zona sul da cidade do Rio de Janeiro.

São oito horas da manhã e a maioria ainda dorme sobre colchões de papelão. Envoltos em cobertores e sacos plásticos procuram se abrigar do frio que há dias vem castigando a cidade ensolarada. Quando acordam, se aproximam dos bares e pedem que alguém lhes pague um café. Aquela gente do Leblon que nos fins de semana costuma lotar as cafeterias de grife para tomar seu brunch olha incomodada para as outras gentes que não reconhece. Imediatamente, os garçons tratam de enxotá-los resguardando, solícitos, a tranquilidade dos consumidores.

Me paga um café, madame, me paga um café, doutor. O café simples e o pão com um cheirinho de manteiga custa 15 reais no local onde famílias inteiras fazem seu dejeneur gastando algumas centenas de reais. Mas ninguém se move ou se comove diante da fome de um morador de rua. Retornam às conversas, atiram alguns trocados ou oferecem restos do brunch que as crianças pedem, mas não comem…

Dia desses contei dez mesas ocupadas. Imperturbáveis, os doutores e madames sequer olhavam para os dois ‘indesejáveis’ que se aproximavam famintos. Se cada mesa doasse a módica quantia de três reais proporcionariam aos ‘pedintes’ um café da manhã que talvez fosse sua única refeição diária. Mas preferiam ignorar, lançar restos. Afinal, o ministro da economia não recomendou que assim o fizessem?

Já há em algumas cidades homens e mulheres ‘de bem’ que se rebelam em disputar espaços com moradores de rua. Por que não arranjam um serviço? Por que não vão para os abrigos da prefeitura? Não! Preferem mendigar… Esse é o argumento usado para desqualificar a pobreza e cultivar a meritocracia como se nessa altura do campeonato as regras do empreendedorismo pudessem alcançar alguém que se encontra em absoluto estado de miséria.

De quem seria a bonequinha largada junto com restos de comida em um cobertor na calçada do Jardim de Alah? Quem seria aquela criança que desperta antes da família com quem se abriga sob a marquise do Bradesco na Ataulfo de Paiva? Quem é o homem que, zeloso, ao amanhecer, dobra suas cobertas e arruma a mala com tanto esmero a ponto de chamar a atenção de transeuntes na Rua João Lira? Quais as histórias por trás desses personagens? São eles os novos inocentes do Leblon que incomodam aqueles outros inocentes que nada sabem e apenas sentem o sol a lhes dourar o corpo nas areias tépidas do bairro mais caro do Rio.

 

Fotos: Sonia Castro Lopes

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