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Etimologia: Cuidado, porque semelhança pode não ser parentesco!

Por Vidomar Silva Filho

Há coisa de uns dez anos, durante o doutorado, eu me afastei da sala de aula por dois semestres. Quando voltei, passei a ouvir, nos conselhos de classe, alguns colegas referindo-se às nossas alunas e alunos como ‘aprendentes’. Estranhei o termo e busquei saber por que se havia incorporado ao nosso jargão. Soube que alguém apareceu com a ideia esdrúxula de que ‘aluno’, etimologicamente, viria de ‘alumino’ e significaria ‘ser sem luz’. Assim, não deveria ser usado. Eu tenho severas restrições contra isso de escarafunchar o passado à busca de base para demonizar termos de uso presente. Noutra oportunidade, gostaria de discutir isto aqui com os colegas.

Mas voltemos ao ‘ser sem luz’. De imediato, estranhei a etimologia, porque o prefixo de negação ‘a’ é grego, enquanto a raiz ‘lum-’ vem do latim. Daí fui verificar a origem de ‘aluno’ e descobri que é bem bacana até. O termo vem do verbo latino ‘alere’, que significa alimentar, nutrir. Ou seja, o aluno é aquele que se está nutrindo de conhecimento. Poético, né? E muito melhor que essa coisa de ‘sem luz’, cruz credo!

Trago o exemplo para mostrar que se constroem muitas etimologias falsas baseadas apenas na forma atual das palavras, sem levar em conta sua evolução histórica. Assim, o termo ‘aluno’, que não tem relação com ‘iluminar’, é cognato de ‘alento’. Da mesma forma ‘trevo’, que vem do latim ‘trifolium’ (porque o trevo comum tem três folhas) não tem parentesco com ‘treva’, do latim ‘tenebras’. Por outro lado, há parentescos etimológicos insuspeitos a partir das formas atuais, como o que existe entre ‘chão’, ‘plano’ e ‘piano’.

Só para encerrar, é corrente uma explicação etimológica engraçada para o verbo ‘testemunhar’, segundo a qual sua origem viria de ‘testis’ (testículo) + ‘manus’, porque, na Roma Antiga, os homens poriam a mão sobre os testículos para jurar. É falsa essa etimologia, viu? Na verdade, ‘testemunhar’ vem do latim ‘testis’ (testemunha). Por sua vez, apesar de homônimos, os dois ‘testis’ têm diferentes origens. O ‘testis’ do testículo vem de ‘testa’, concha, que deu origem a ‘teste’ e a ‘testa’ em português. Por sua vez, o ‘testis’ da testemunha parece ter origem numa raiz mais antiga que significava ‘pôr, apresentar’.

Pena que essa história da mão lá embaixo seja falsa. Já estava aqui me divertindo com a possibilidade de uma mulher romana levar consigo o marido ao tribunal, para poder jurar como mandava o figurino.

 

Vidomar Silva Filho é doutor em Linguística pela UFSC. Professor de Língua Portuguesa e Literatura do Instituto Federal de  Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IFSC)

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