Por Paulo Freire
O Natal me dá uma certa agonia. Só continuo nos festejos por conta da alegria de minha mãe com este evento. Claro que nos tempos de criança era uma maravilha, presentes, papai Noel etc. Mas quando morei no sertão do Urucuia, participei de outro tipo de celebração: as folias de Reis saem na noite de Natal e cantam de casa em casa a história do nascimento de Jesus, chamando a todos para a festa no dia 6 de janeiro, que é a data que os reis Magos chegaram para adorar o menino Deus. Nesta caminhada da Folia, os moradores das casas fazem doações para a grande festa de Reis que qualquer pessoa pode participar. Todos são acolhidos. Todos.
Pois bem, no começo dos anos 80 um mestre violeiro do sertão mineiro veio me visitar em São Paulo. Levei-o para passear na Avenida Paulista, na semana do Natal. Paramos em uma grande exposição de um Banco, com bonecos que se moviam representando alguns momentos da vida do papai Noel: sentado com a mamãe Noel na sala, andando pela cozinha, olhando para o trenó e suas renas. A primeira pergunta do mestre: “quem é esse senhor?”; Ele nunca tinha visto papai Noel. No Urucuia não tinha luz elétrica, TV nem pensar. Expliquei quem era, ele continuou: “E essa carrocinha?”; Respondi que se chamava trenó. “E esses veados, parece campeiro, né?”; respondi que eram renas.
Em outra sala, dois bonecos representando papai e mamãe Noel, estavam em frente à uma lareira. O mestre: “estão quentando fogo… mas nessa época? Com essa quentura?”; expliquei que eles eram do pólo Norte e lá faz muito frio. O mestre: “mas aqui não faz”; ficou quieto um tempo, depois me disse: “é distante esse pólo Norte?”; respondi que sim, milhares de léguas de distância, tinha até que atravessar o oceano. O mestre foi se aborrecendo.
“Paulo, e como esses veados gaieiros, rena que seja, atravessam o mar puxando a carroça? Nadando? Capaz…”
Respondi o óbvio: não, mestre, elas voam. Pronto, danou-se. “Veado que voa? Cê é besta, Paulo?!” Ficamos ali mais um pouco, depois fomos tomar um café num boteco da rua Augusta. O mestre estava cismado, achei melhor não contar pra ele sobre o ralouim…
Entonce, desculpaê mas esse Natal que tá aí não me representa.
Paulo Freire é violeiro e contador de “causos”