Texto e ilustração de Sergio Papi
Próxima parada, Estação Portuguesa-Tietê, acesso ao Terminal Rodoviário. Desembarque pelo lado direito do trem. Chego cedo, oito horas da noite, duas horas antes do horário da partida do ônibus, uma mania que eu tenho. Me acomodo em uma das cadeiras azuis de plástico disponíveis. A espera será longa, mas eu tenho um livro. O autor do livro descreve cenas que se passam na Côte d’Azur, os personagens são finos, ricos e se vestem bem. Tirando, às vezes, os olhos do livro, reparo ao meu redor. Na coluna, um anúncio luminoso. A Bruna Marquesine tenta me seduzir com carinhas e bocas, propaganda de um banco exclusivo. Muitas pessoas esperando seus ônibus. Outras tantas, no entanto, procuram uma das cadeiras azuis de plástico disponíveis para passar a noite, não pretendem viajar. É um movimento notável, vão surgindo dos subterrâneos, das ruas. Se conhece o viajante pela aparência. Os homens têm a barba por fazer, rostos sulcados. Alguns, antes de se acomodar, arriscam pinçar um copinho de plástico das abarrotadas lixeiras, um último gole de café. Outro, com mais sorte, ganha um sanduíche, com direito a copo de Coca-Cola, de um senhor prestimoso que espera na longa fila da lanchonete. Eles todos, já são muitos, esperam dormir sentados nas cadeiras azuis de plástico disponíveis. Pelos andrajos com que se vestem, pelos calçados puídos que usam, principalmente pelas expressões dos olhos, vê-se que são aqueles que possuem poucas coisas, quase nada, coisas insondáveis, guardadas em sacos de plástico e não têm onde dormir. Segundo a norma, regularmente vigiada, eles não podem se esparramar nas cadeiras azuis de plástico disponíveis, não podem ocupar duas dessas cadeiras, o que permitiria se deitarem. Os atentos seguranças rondam, cuidam de ver obedecida a ordem. Vão dormir sentados, alguns se cobrem com um lençol roto. Na volta, sentido contrário, no horário inverso, amanhece, regresso de viajem. Cedo demais, uma mania que eu tenho. Tomo um café, retomo o livro, Côte d’Azur, Monte Carlo, salões, castelos. Os seguranças começam a acordar os hóspedes daquele estranho hotel de cadeiras azuis de plástico. Reparo ao meu redor, tirando, às vezes, os olhos do livro. Uma senhora atônita, acorda de seu sono desconfortável. Levanta-se meio sem graça, já que o espetáculo de humilhação é público e todos a olham, entre piedosos e indiferentes. Eu também dormi mal na poltrona quase confortável do ônibus. Bruna Marquezine ainda está lá no anúncio luminoso, me sorri.
Sergio Papi é escritor e designer gráfico. Lançou recentemente o livro Suaves Serpentes pela editora Terra Redonda