O politizado jogador Sócrates, liderança da Democracia Corinthiana
Relembre como é dura a vida de um esquerdista vestindo a amarelinha em Mundiais
Ao se analisar a convocação da seleção brasileira para a Copa do Mundo no Catar, fica evidente que a polarização vista na sociedade não se reflete entre os jogadores que vão representar o país no Mundial. Enquanto alguns dos principais nomes do elenco apoiaram publicamente o candidato derrotado Jair Bolsonaro (PL), como Neymar, Dani Alves e Thiago Silva, nenhum dos 26 convocados declarou preferência por Lula.
Isso não é novidade. Historicamente, o país sempre aceitou melhor manifestações de direita do que de esquerda se vindas da seleção brasileira, em especial em Copas do Mundo. Neste 2022 de ânimos acirradíssimos, fica ainda mais difícil.
Mas é possível conjecturar que, mesmo intimidados pelo contexto do futebol profissional masculino, que tem entre seus financiadores bolsonaristas fervorosos, como Luciano Hang, cuja Havan patrocina vários times, entre eles o Flamengo, existam apoiadores do petista entre os selecionados.
Um deles é Richarlison, atacante do Tottenham da Inglaterra. Mesmo sem se dizer abertamente lulista, ele já se posicionou da mesma forma que o presidente eleito em temas como o ambientalismo e a ciência – o oposto das visões de Bolsonaro.
“Toda vez que me posiciono por algo que acredito, vem um monte de gente xingar, um monte de gente para de me seguir e dá uma dor de cabeça danada. Só que eu não ligo para isso. Enquanto puder fazer algo pra mudar meu país para melhor, eu vou estar aqui pra colocar a boca no mundo e gritar mesmo.”, declarou ele ao UOL.
Outro que possivelmente nada contra a maré bolsonarista é o meia Everton Ribeiro. Discreto, o flamenguista (vide a menção acima à Havan) não se manifesta, mas sua esposa sim.
“Gente, eu nunca escondi que sou contra esse governo desde que vi a primeira entrevista do atual presidente no extinto CQC“, postou Marília Nery no Twitter, em 2020.
Entre os ex-atletas, a proporção também pende fortemente à direita. Craques do passado recente como Rivaldo, Ronaldinho Gaucho e Romário apoiaram nessas eleições o militar expulso. Causa surpresa quem faz diferente, como os tetracampeões Raí e Bebeto, que se manifestaram a favor de Lula, e o ex-vascaíno Juninho Pernambucano, que até participou do horário eleitoral do petista.
Do outro lado, Neymar chegou a declarar pouco antes do pleito em live com Bolsonaro, que celebraria seu primeiro gol no futuro Mundial fazendo o símbolo do 22, o número do candidato perdedor.
Listamos abaixo uma série de acontecimentos do Brasil em Copas que mostram como posicionamentos contrários a esquerda são bem mais aceitos do que o contrário:
Copa de 1954: Após perder na bola para o time sensação do torneio, a Hungria, por 4 a 2, os brasileiros resolveram “salvar a honra” na pancadaria, no que ficou conhecido como “A batalha de Berna”. O comentarista Mario Vianna justificou a violência brasileira como um ato patriótico contra os comunistas húngaros.
Copa de 1958 – O primeiro jogo entre o Brasil e a União Soviética na História também teve um verniz político. Antes da partida, choveram boatos sobre as possibilidades sobrenaturais desenvolvidas pelos comunistas e seu “futebol científico”. Todas devidamente
ridicularizadas com nossa vitória.
Copa de 1970 – Logo depois de decretar o AI5, inaugurando a fase mais truculenta da ditadura militar (64-85), o comando do futebol brasileiro escolheu um declarado comunista, João Saldanha, para levar a seleção ao Mundial do México. Depois de uma campanha excelente nas eliminatórias, ele foi demitido após bater boca em público com o general que presidia o país, Emílio Garrastazu Médici.
Copa de 1978 – Na que foi considerada a copa mais carrancuda de todas, se posicionar politicamente foi um ato de (muita) coragem. Afinal, os anfitriões argentinos também estavam em uma ditadura e viviam uma experiência bem mais violenta, com um número de mortos pelo Estado várias vezes maior. Mas foi o que fez Reinaldo ao marcar um gol e comemorar com o gesto dos Panteras Negras dos EUA – apesar de ter sido orientado a não fazê-lo pelos militares da nossa comissão técnica. Muitos especularam que sua não convocação para o Mundial seguinte, na Espanha, pode ter tido relação com a
“indisciplina”.
Copa de 1986 – o esquerdista Sócrates foi criticado por usar faixas com mensagens políticas no Mundial. Embora o conteúdo delas fosse puro bom senso – mensagens contra a violência e em solidariedade aos mexicanos, que haviam acabado de sofrer com um terremoto – teve gente querendo silenciar o Doutor.
A partir de meados dos anos 1980 o país se redemocratizou, diminuiu a patrulha contra a esquerda e as manifestações políticas foram se tornando mais raras. Com o sequestro de símbolos nacionais como a camisa da seleção e a bandeira do país pela extrema direita, resta saber se a próxima Copa será capaz de ajudar na reconciliação do país em torno do futebol.
Edição: Nicolau Soares
Matéria publicada originalmente no link abaixo do Portal Brasil de Fato: