Por Mário Botolotto
Consegui assistir o já polêmico filme de Wagner Moura. Para o primeiro filme de um cineasta, é um trabalho bastante competente. Com algumas atuações bem bacanas como um surpreendente Bruno Gagliasso interpretando o Delegado Lúcio Flores (inspirado evidentemente no Delegado Fleury, um dos mais cruéis agentes de repressão da ditadura – interpretei esse mesmo personagem na série do Zé do Caixão) de maneira bastante convincente. Há outras interpretações que também merecem destaque como a de Humberto Carrão, Adanilo Reis e os amigos Charles Paraventi e Bella Câmero. A reconstituição de época e figurinos também estão impecáveis. Mas muito mais que um bom filme é acima de tudo um trabalho fundamental e eu diria quase que obrigatório nesse tempo sombrio que estamos vivendo onde estamos sendo governados por uma cruel, demagoga e perigosa extrema direita. Não é o caso de glorificar a luta armada (quem atualmente defende uso de armas é o atual governo) nem nada disso, mas sim o caso de reverenciar essa gente “que não foge a luta e nem teme a própria morte”. O filme é quase um thriller de ação e essa opção me pareceu proposital para que Wagner alcançasse a adesão de um público maior para o seu filme que precisa ser visto para que possamos entender que esse é um tempo que não podemos aceitar que volte. Não queremos nenhum de nossos amigos sendo mortos pq defendem ideias ou professores ensinando os nossos filhos que não houve golpe em 64. Houve golpe em 64. E houve golpe em 2016. É preciso que todos estejam conscientes disso por mais que os direitistas reaças esbravejem. Havia sim no Brasil uma população pensante que estava acuada, sem o direito de manifestarem o seu pensamento sob o risco de serem presos, cassados, torturados e exilados. Havia miséria, pobreza e desemprego que não eram divulgados para que se passasse a impressão de que morávamos em país que “a mão de Deus abençoou” como cantavam “Os Incríveis” em tom descaradamente ufanista naquele compacto que vinha encartado em embalagem do Sabão em pó “Omo” se não estou enganado. É um filme fundamental e que tem que ser visto, comentado e discutido. Se há algo que realmente não gostei do filme foram algumas cenas com intepretação extremamente forçada que a meu ver devem ter sido dirigidas ou pelo menos preparadas por um dos piores flagelos do nosso cinema que é esse negócio que inventaram e batizaram de “preparação de atores” e que tem como figura máxima a Sra. Fátima Toledo. Por exemplo, que merda é aquela cena com o Carlinhos (o filho de Marighella) se arranhando meio que tentando arrancar a própria pele (sei lá que porra que pediram pra ele fazer)? Não se justifica um ator excelente como Wagner Moura (que mostrou ser também um ótimo diretor de cenas) precisar de alguém para dirigir seus atores e extrair deles o que precisava.
* A estreia depois de sucessivos adiamentos (acredito que por uma total tentativa de boicote ao filme) está novamente prometida para o dia 14 de Maio.
Nota da redação: o filme Marighella entrará em cartaz apenas em novembro. De fato, os produtores avaliaram a antecipação da entrada em circuito comercial, mas voltaram atrás.
Mário Botolotto é ator, diretor, dramaturgo, escritor e compositor brasileiro