Por Ariane Cole
Esta série de aquarelas, tem origem em um processo iniciado entre 2012-2014 e retomado em 2020. Inicialmente, esta série já apresentava um olhar para fluxos das águas do mar a partir de um processo de imersão, observação, reflexão e registro de paisagens marinhas em uma poética visual.
Identificamos, talvez pela mobilidade da paisagem e do olhar, uma tendência a buscar significação, que se revela por meio da imaginação matérica. Conceito delineado por Bachelard (2002) para quem a imaginação, para ser produtiva, exige uma presença/vivência da matéria em sua fisicidade, não encontra raízes profundas e nutritivas apenas a partir de imagens. A vivência da matéria, sobretudo dos elementos primordiais marcam nosso espírito em nossas primeiras experiências de vida, associando-se a lembranças íntimas, míticas de vida e morte.
A água do mar, fonte da vida, que em seus movimentos espuma, evapora, condensa-se em forma de nuvem, nos lembra da sua riqueza e do cuidado devido ao meio ambiente assim como nas nuvens informáticas que habitam nosso mundo mental. Seu caráter onírico, plástico, móvel, possibilita um olhar ativo, criador, em uma variedade ilimitada de formas, texturas, cores, densidades, plasticidades alcançadas através da matéria fluída e luminosa da água.
Em Fluxos a linha do horizonte, apenas uma presença sutil, se apresenta como sugestão de um espaço ilimitado, não se apresenta mais como limite entre céu e mar, mas submerge apresentando-se como espaço de trânsito, de deslocamentos, como o movimento das águas… Diásporas. Plantas que são bichos, que é água, que se mutam eternamente. Da beleza e riqueza insubstituível da natureza… Diversidades. O dia, a noite que se integram, verão e inverno que se interpenetram, seres da terra que se deslocam para o mar. O desarranjo dos territórios, espaços em fragmentos nos falam também de um desarranjo ambiental… Formas, cores, texturas se esgueiram, deixam palavras no ar,
Em nossa atual cultura ocidental o homem se distanciou do mundo, se tornou sujeito e o mundo seu objeto, esta ruptura submete a própria vida ao operacionalismo mecânico da lógica capitalista, que restringe o espaço da contemplação, da reflexão, e do entendimento dos fenômenos. Restringe indagações que se perdem na vivência de uma sociedade contemporânea, e se desenvolve voraz nos grandes centros urbanos em sua complexidade e globalização sob a vertiginosa rapidez das inovações tecnológicas.
Há na apreciação da paisagem a possibilidade da reflexão sobre o tempo, sobre os fenômenos do mundo, sobre nossa inserção neste mundo. Há que se ter tempo de experienciar o olhar para os movimentos da água, seja em sua dimensão contemplativa do mundo, seja em uma ação da imaginação criativa, para a imensidão misteriosa de suas paisagens, para os fluxos do presente no mundo, dar tempo à imaginação para elaborar a matéria, com seus conceitos, suas dimensões simbólicas e metafóricas, para refletir sobre os fluxos do nosso tempo.
Ariane Cole é artista visual, foi professora universitária e pesquisadora do curso de Design da Universidade Presbiteriana Mackenzie por 28 anos. Doutora em Design, mestre e graduada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, onde sempre apresentou trabalhos finais relacionados à arte e à sua produção artística. Desenvolve trabalhos predominantemente em pintura, fotografia e audiovisual, participando de exposições individuais e coletivas, nacionais e internacionais.
Inicia seus estudos na Escola de Arte Brasil: no ano de 1971 com Carlos Fajardo, Luiz Paulo Baravelli, José Resende e Frederico Nasser. Organiza junto a Artur Cole na década de 80 o Curso de Desenho Livre com a participação de Dudi Maia Rosa, José Carlos Ferreira (Boi), Guto Lacaz, Gabriel Borba entre outros. Buscou e adotou orientações de Evandro Carlos Jardim a partir de 1984, sobre o qual, dirigiu um documentário intitulado: Evandro Carlos Jardim. Nas Margens do Tempo. Dirigiu também documentário, em 2017, sobre a obra de Guto Lacaz, artista e designer paulistano. Realizou acompanhamentos com a artista Ana Prata, no Ateliê Coletivo 2E1, em 2014.