Por Carlos Monteiro
Correspondências sempre foram uma forma eficaz de comunicação entre os povos. Quantas histórias, quantas juras secretas, quantas poesias foram difundidas por meio de uma simples e singela carta. Eu e o Romildo Guerrante trocamos missivas, quase diárias.
De forma eletrônica, onde a nuvem do ciberespaço faz papel dos #Correios e o #Google o de carteiro. Quando a caixa lota, as epístolas são devolvidas a quem as enviou com uma mensagem cheia de segredos e mistérios que, tantos que, afinal, nunca sabemos o que de fato aconteceu. São as tais cartas modernas, que não levam dias para chegar – são trocadas em questão de segundos estando sempre, literalmente, à mão. Também não têm o ‘parfum de la femme bien-aimée’, borrifado sorrateiramente com prova indelével de amor e fidelidade.
As cartas de outrora se tornaram e-mails e mensagens por aplicativos de mensagens, quase instantâneas, de hoje. Chegam em vários formatos e feitios, a qualquer hora ou momento, muitas das vezes inoportunos. São disseminadas aos borbotões nos ditos grupos, cujo interesse ronda uma única temática nem sempre mantida. Qual o quê, servem para, muitas vezes, fomentar a discórdia, desfazer amizades, cantadas no privado que beiram a cafajestice ou troca de insuportáveis correntes com promessas mirabolantes e castigos implacáveis se não cumpridas. Um horror.
Hoje não têm o romantismo e o charme da espera em resposta. Do envelope, artisticamente debruado com as cores pátrias e caligraficamente emoldurado, com requintes de um escriba apto a estampar letras mágicas, daquelas, outrora, apenas vistas nos diplomas e convites aos himeneus. No anverso um destinatário tratado com toda pompa e glória, que requer o momento, sobrescrevendo:
‘Ilustríssimo Senhor’, em belas e bem traçadas formas, desenhadas a pena num nanquim azulado Pelikan. Um charme só. No verso, o distinto remetente se anunciava em épocas priscas, onde o código de endereçamento postal – CEP era ainda zona de correio – ZC. A do Romildo, por exemplo, tinha o número 45 – Santa Teresa.
Lá pelos idos dos anos de 1946, Isaura Garcia cantava “Mensagem”, poema musical Rodriguiano de Aldo Cabral e Cícero Nunes. Com dramaticidade e sofrimento, erres carregados e açodamento, a música conta a história de uma carta indesejada que na dúvida não foi lida e, para garantir o não ‘cair em tentação’, foi rasgada e queimada. Uma tragédia.
“…A mesma caligrafia que me disse um dia/”Estou farto de ti”//Porém não tive coragem de abrir a mensagem/Porque, na incerteza, eu meditava/Dizia: “será de alegria, será de tristeza?”/Quanta verdade tristonha/Ou mentira risonha uma carta nos traz/E assim pensando, rasguei sua carta e queimei/Para não sofrer mais…”. Foi justo, mas, porém, pode ter amargado pela vida inteira com a pergunta que a atormentou: “o que continha a carta?”. Teria sido mais alegre? Teria ficado mais melancólica?
Uma pá de cal definitiva no amor que se disse farto um dia. Hoje a mensagem não chegaria, não por culpa dos Correios, do internúncio ou do postilhão, arauto noticieiro de boas ou más notícias, de saudades aplacadas e desejos incontidos nas ‘mal traçadas linhas’. Simplesmente porque, aquela que teve o nome alardeado ao pé do portão, teria dado um bloqueio geral no infeliz, num cancelamento histórico de suas investidas. Restaria ao apaixonado o método tradicional de comunicação ou os velhos sinais de fumaça ou tambor.
Álvaro de Campos, eterónimo – assim com acento agudo mesmo como se grafa em Portugal, pátria de Fernando Pessoa -, talvez, quem sabe, seu alter ego, escreveu que: “cartas de Amor são ridículas, será que cartas entre amigos, ainda mais em tempos atuais, serão piegas? Não posso concordar com o luso poeta: nada que fale de amor é ridículo, talvez um pouco baboso, bajoujo, coió. O romantismo torna as pessoas um tanto quanto lamechas, nesses tempos sombrios isso é bom. É uma dose de humanidade que vem à tona.
Nas mensagens que reciprocamos, eu e Guerrante, ‘falamos’ sobre genialidades históricas, contamos casos vividos, comentamos do passado jornalístico, mutuamos mimos literários, sugestões musicais e algumas ‘provocações’ com ótimas doses de bom humor. Tudo muito interessante e rende ótimas observações. Romildo tem muitas histórias para contar e um carisma nato. Sua narrativa é impecável levando seu interlocutor, no caso eu, para dentro da cena. Me vi degustando uma média no Café Previdente no Centro do Rio. Me vi ouvindo histórias naquela mesa que ele se sentava pelas manhãs tendo tanto riso no olhar. Me vi adentrando ao prédio do Banco Do Brasil.
Em nossas trocas de ‘cartas’ – quanta pretensão – gostaria que, na posteridade, fosse publicado um livro, como tantos, com a compilação dessa correspondência. São histórias de vida, de convivência de quem fez e escreveu a história deste país.
Quem sabe isso não dê uma bela história…
Carlos Monteiro é jornalista e fotógrafo