Até tu, Bernardo?

Por Sonia Castro Lopes

A grande imprensa, em especial, as Organizações Globo estão radiantes. Enfim, encontraram um personagem para chamar de seu nas próximas eleições presidenciais. Ninguém ali consegue disfarçar sua preferência por aquele que já foi aclamado herói pela direita liberal por “ter combatido a corrupção que grassava no país.” Mesmo que alguns dos articulistas políticos reconheçam os “erros processuais” cometidos pelo ex-juiz, os benefícios trazidos pela Lava-Jato são sempre lembrados com louvor. Afinal, retornaram aos cofres públicos alguns milhões que teriam sido surrupiados nas “operações criminosas protagonizadas pelos governos petistas.”

Merval Pereira lidera o time dos cabos eleitorais do grupo “nem-nem.” Não há um artigo seu em que, após bater pesado no atual governo, não apareça um parágrafo complementar mencionando episódios desabonadores sobre o ex-presidente Lula e seu partido. É de dar nojo…

Aliás, as surras em Bolsonaro pouco diferem da oposição cerrada que o grupo Globo vinha sistematicamente fazendo em relação aos governos do PT. Tanto demonizaram o Partido dos Trabalhadores que deu no que deu. Ajudaram em muito a ascensão do capitão neofascista, agora visto como o inimigo número um da pátria e há dois anos se desesperam porque não encontram meios para retirar o bode da sala.

Só na edição de hoje (24) temos três exemplos da análise parcial feita pelo jornal carioca a respeito dos fatos políticos recentes. Comecemos pelo editorial cujo título As piruetas de Lula para seduzir o eleitorado já nos dá um trailer da campanha suja que está por vir.

Sem desconsiderar o sucesso que foi a turnê de Lula pela Europa – fato que, aliás, custaram a noticiar – o editorial se reporta a uma declaração dada pelo ex-presidente a uma repórter do jornal El Pais.  De acordo com o texto, Lula se apresentou como “o único antídoto capaz de salvar o Brasil do bolsonarismo e resgatar a pretensa glória dos anos petistas. Tentou posar de vítima de perseguição política e distorceu os fatos para construir uma narrativa apoiada em falácias, sofismas e na eterna cantilena de comiseração com que sempre seduziu o eleitor” (grifos meus).

A introdução perversa serviu para ilustrar o comentário feito por Lula sobre Daniel Ortega, comparando-o a Angela Merkel que teria se mantido por 16 anos no poder. O fato já havia sido explorado à exaustão motivado pela declaração do partido que saudou a “grande manifestação popular e democrática deste país irmão”, referindo às eleições da Nicarágua. Apesar da nota de esclarecimento publicada pela presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, o episódio entrou para o banco de dados da oposição. Pois não é que ontem (23), o comentário voltou à baila e foi explorado ad nauseum nos programas da Globonews. Falava-se das prévias do PSDB, da crise em que o partido está mergulhado, na dificuldade de se achar um representante para os adeptos do “nem-nem”, mas sempre havia um espaço, uma oportunidade por parte dos comentaristas para introduzir no debate a declaração “equivocada” de Lula na Europa.

Mas o editorial de O Globo extrapolou. Enumerou as “provas” recolhidas nas investigações do ”petrolão”, além de favorecer descaradamente seu candidato afirmando que a versão de que Lula foi preso para não concorrer às eleições de 2018 é falsa, uma vez que a Lava-Jato “revelou o submundo das negociações espúrias no meio político.”

Em seguida, o texto de Vera Magalhães, Três homens e o duelo de uma era, segue na mesma toada, ainda que de forma menos contundente. Adotando uma pretensa imparcialidade ao avaliar as três candidaturas, escorrega feio quando afirma que Lula poderá perder votos para Moro na medida em que alguns antilulistas (leia-se bolsonaristas arrependidos), profundamente decepcionados com o atual governo, já estariam cogitando a possibilidade de tapar o nariz e votar em Lula para derrotar o capitão. Afirma, ainda, que setores do mercado financeiro e do empresariado, decepcionados com as “lambanças” de Paulo Guedes apostariam as fichas em Moro, o candidato que melhor representa os interesses da centro-direita. Até ai, tudo ok, as expectativas de leitura da realidade não poderiam ser outras por parte dos liberais da imprensa hegemônica que, decepcionados com o partido que sempre defenderam com ardor, não estavam conseguindo achar uma candidatura viável que representasse o meio termo ideal que tanto perseguem. Afinal, a busca pelo Biden tupiniquim não tem sido fácil.

Mas a decepção maior ficou por conta do artigo do Bernardo, o Bernardinho Mello Franco, um dos raros jornalistas a ocupar a cota progressista oferecida e consentida pelos patrões. Em seu artigo Lula e o espantalho o colunista elogia o tour de Lula pela Europa, reafirmando a relevância de seu prestígio no exterior, em comparação ao fiasco de Bolsonaro. Porém, logo em seguida, afirma que o petista “pisou na bola” relativizando o regime autoritário da Nicarágua na entrevista ao jornal El País. Meu querido, se não puder ajudar, não atrapalhe, por favor.

Evidentemente, só interessou à imprensa nacional destacar o que lhe convinha. A transcrição completa da entrevista foi pouquíssimo divulgada, especialmente o trecho em que o ex-presidente afirmou não poder julgar o caso da Nicarágua, pois se Ortega prendeu opositores para que não disputassem a eleição, ele estaria errado, assim como fizeram contra ele [Lula] no Brasil.

É preciso falar menos desses governos acusados de autoritários, mas que se tornaram emblemáticos para a esquerda? Nesse momento, sim. Se possível, levantemos a bandeira da autodeterminação dos povos contra a interferência externa, mas vamos privilegiar os princípios democráticos tão vilipendiados pelo atual inquilino do Planalto. Estamos numa guerra e qualquer pisada em falso poderá ser fatal. Depois não adiantarão os desmentidos, as duplas narrativas, porque o inimigo estará sempre à espreita, sempre à espera de uma falha para desmontar o discurso e ferir a credibilidade do Partido dos Trabalhadores e do seu líder inconteste.

O PT não precisa abordar abertamente temas polêmicos. Não é hora para isso. Ao lançar-se candidato, Lula só precisará lembrar aos eleitores que todos os brasileiros têm o direito de comer três vezes ao dia, todos os jovens têm o direito a ingressar no ensino superior, que os direitos de todas as minorias serão contemplados, que todos os preconceitos serão combatidos e não haverá exclusão nem miséria no Brasil. Lembrar que o país, já fora do mapa da fome, voltou a ver seus filhos catando ossos e pelancas nos supermercados para sobreviver. Recordar o que era o Brasil nos 13 anos de governo do PT e no que ele se transformou após o golpe de 16 e, principalmente, sob a batuta do atual facistóide. Esta deve ser a tônica para encorpar a campanha de Lula à presidência no próximo ano.  O que não podemos é deixar telhas de vidro à mostra porque, não se iludam, eles vão jogar sujo, muito sujo.

 

Ilustração: Claudio Duarte

 

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  1. Concordo Sônia. Estamos diante de uma imprensa que sempre toma o partido de seu escancarado interesse em manter privilégios dos que estão no andar de cima.

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