A farsa da teoria da prosperidade como caminho do desenvolvimento social

Por João Antonio da Silva Filho

A falácia da meritocracia como caminho para o desenvolvimento social é uma questão central no debate das sociedades contemporâneas. Em meio à complexidade das relações sociais e econômicas, o principal desafio é estabelecer um critério justo e equitativo de distribuição das riquezas geradas pelo esforço coletivo. O mundo atual é marcado por uma enorme concentração de riqueza, em que poucos possuem muito, enquanto milhões de pessoas vivem na pobreza absoluta. Segundo dados da Oxfam, 1% da população mundial concentra cerca de 50% da riqueza global, enquanto 689 milhões de pessoas ainda vivem em extrema pobreza, sobrevivendo com menos de US$ 1,90 por dia.

Esse abismo entre ricos e pobres reflete um problema sistêmico que aflige a humanidade. A pobreza crescente, associada à falta de acesso a oportunidades, é um resultado direto da anarquia do mercado, que tem sufocado qualquer tentativa de planejamento econômico. Esse cenário atinge de forma direta o papel do Estado, que deveria ser o agente regulador e impulsionador de um desenvolvimento mais integrado e inclusivo. No entanto, o Estado é frequentemente limitado em sua atuação por ideologias que favorecem a desregulamentação e a supremacia do mercado.

A meritocracia, ou seja, a valorização do esforço individual como base para a ascensão social, é frequentemente utilizada como justificativa para o sucesso de alguns em detrimento de outros. Embora o esforço individual tenha sua importância, ele não pode ser tomado como critério único ou predominante nas sociedades organizadas. Isso porque a meritocracia ignora as disparidades estruturais, como a desigualdade de oportunidades, o acesso limitado à educação e saúde, e a discriminação social, que criam barreiras intransponíveis para muitos.

Tratar a meritocracia como um padrão organizacional é um erro, pois ela pressupõe que todos começam do mesmo ponto, o que claramente não é o caso. Em uma sociedade desigual, o mérito individual dificilmente pode ser comparado de forma justa. O esforço de uma pessoa que nasceu em um contexto de privilégios não é o mesmo que o de alguém que enfrentou adversidades significativas. O debate real deve girar em torno da criação de mecanismos que garantam um ponto de partida mais igualitário, onde todos tenham as mesmas condições para desenvolver seu potencial.

O ponto central da discussão é o critério a ser adotado pelos responsáveis pela condução do Estado. Se o individualismo competitivo, que valoriza o mérito pessoal e a competição entre os indivíduos, deve ser a principal força motriz da sociedade, ou se o incentivo à solidariedade, que visa superar as desigualdades sociais, deve ser priorizado. O primeiro modelo tende a aprofundar as disparidades, enquanto o segundo promove uma sociedade mais justa, onde o desenvolvimento é coletivo e não apenas individual.

Nas eleições brasileiras de 2024, observamos uma forte retórica em defesa da prosperidade individual como caminho para o progresso. Essa visão sustenta a ideia de que o esforço individual é suficiente para superar a pobreza, ignorando os fatores estruturais que limitam as oportunidades para a maioria. Além disso, essa apologia à prosperidade pessoal vem acompanhada de uma glorificação do mercado e um desprezo pelo papel do Estado, promovendo um tipo de anarcocapitalismo que defende a mínima intervenção estatal.

Entretanto, essa defesa do individualismo competitivo e da meritocracia falha em reconhecer que poucos conseguem, de fato, superar os obstáculos impostos por um mercado altamente competitivo e excludente. A lógica do mercado, por sua natureza, não consegue organizar de forma eficiente os interesses diversos dos indivíduos ou dos grupos sociais. Ela privilegia apenas os mais aptos ou mais bem preparados, deixando para trás a maioria que não dispõe das mesmas ferramentas para competir em igualdade de condições.

Diante disso, o que se coloca como desafio para a humanidade é a necessidade de um planejamento econômico e social que vise à melhoria da qualidade de vida da coletividade. Não se pode confiar no mercado como único regulador das relações sociais e econômicas, pois ele favorece a concentração de poder e riqueza. Somente um Estado com preocupações sociais e mecanismos de redistribuição eficazes pode garantir que os benefícios do crescimento econômico cheguem a todos.

Portanto, o desenvolvimento social deve estar pautado na solidariedade e na justiça distributiva, e não apenas na competição individual. O papel do Estado é central para garantir que as riquezas geradas sejam distribuídas de forma mais equitativa, proporcionando condições dignas de vida para todos os cidadãos. É através do planejamento e da intervenção estatal que podemos construir uma sociedade mais justa e inclusiva.

João Antonio da Silva Filho é Mestre em Filosofia do Direito pela PUC – SP. É autor dos livros “A Democracia e a Democracia em Norberto Bobbio”, “A Era do Direito Positivo” e “O Sujeito Oculto do Crime – Reflexões Sobre a Teoria do Dominio do Fato”, publicados pela editora Verbatin. Advogado, foi vereador da capital por três mandatos consecutivos e deputado estadual por São Paulo. João Antonio nasceu em São João do Paraiso – norte de Minas Gerais. Atualmente é conselheiro do Tribunal de Contas do municipio de São Paulo.

 

 

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