Construir Resistência
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A esquerda e os crentes

Por Jacó Bino – Quarentena News 

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O então candidato Lula recebe oração de pastores e líderes evangélicos que são minoria

Dia desses, ao assistir a uma ‘live’ de um conhecido canal de notícias de esquerda, ouvi a seguinte afirmação: “Fulano nem deveria abrir a boca para falar sobre esse tema – Bíblia e evangélicos – porque não tem conhecimento para discutir isso”. O autor da fala, um jornalista com cerca de 30 anos de estrada, é ateu e pouco entende de Bíblia. Dos evangélicos, acha que os crentes são apenas os seguidores de Silas Malafaia, Edir Macedo e companhia. Ele, assim como boa parte da esquerda, generaliza tudo, difundindo a ideia de que o protestantismo é uma massa única, uniforme e sem cérebro. Uma visão equivocada e ignorante.

Equivocada porque revela o quanto a esquerda, tão preocupada com pautas identitárias (e só isso!), perdeu a noção do que é a sociedade brasileira: plural, contraditória e conservadora. Imaginando que, em um futuro próximo, a população do Brasil tenha maioria evangélica em números absolutos, seria assustador, mas não impossível, vislumbrar um cenário no qual os crentes sejam a maior quantidade de eleitores. Sendo assim, eleger um presidente “terrivelmente evangélico” não seria absurdo, concordam?

Ignorante porque demonstra o desconhecimento acerca da influência dos pastores das igrejas evangélicas existentes no país. O coleguinha de profissão, por exemplo, devia ler e estudar mais antes de arrotar uma erudição que não tem sobre o assunto. Devia aprender, por exemplo, com o pesquisador Victor Araújo, do Centro de Estudos da Metrópole (CEM). Em sua tese de doutorado em Ciência Política, defendida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, ele descobriu que “as igrejas pentecostais influenciam a preferência de votos dos mais pobres por partidos que não têm, em sua plataforma de governo, políticas de redistribuição, mesmo sendo eles os mais beneficiados por elas”. Segundo ele, um dos fatores para explicar essa opção é “o fato de seus líderes religiosos atuarem como ‘cabos eleitorais’ e enfatizarem, em suas falas e pregações, questões morais que, muitas vezes, conflitam com as pautas dos partidos mais à esquerda no espectro ideológico, aqueles que tradicionalmente propõem políticas redistributivas” – o Bolsa Família, por exemplo. “Não é que os pobres sejam irracionais ou não queiram votar por redistribuição, é que parte deles ranqueia a dimensão moral acima da questão da renda”, diz Araújo.

Há ainda outra questão, já levantada por outros estudiosos do mundo evangélico: as igrejas, especialmente aquelas que funcionam nas regiões mais pobres, têm suas próprias “bolsas de ajuda”. Elas são indicadoras de empregos, sedes de cursos que ensinam desde corte de cabelo até técnica de edificação, distribuidoras de cestas básicas, roupas e calçados usados, refúgios para mulheres que sofreram violência doméstica e centros de aconselhamento e apoio psicológico para homens, mulheres e jovens desempregados ou desesperançados.

Quando a esquerda se depara com a eleição de figuras como Damares Alves, Nikolas Ferreira e tantos outros representantes “evangélicos”, a primeira reação é de revolta, acompanhada de palavrões. “Como é que essa gente pode conseguir tantos votos?”, questionam políticos de partidos como PT, PCdoB e PSOL. A explicação para tal fenômeno enseja, na verdade, uma pergunta: Por que não?

Antes que o querido leitor xingue este pequeno burguês evangélico, é necessário olhar para a dura realidade: a esquerda vê os crentes como inimigos. Esquece, entretanto, que estes sujeitos, vistos hoje como uma massa vazia (ou cheia de pensamentos ultraconservadores), já votaram em Lula. Já apertaram o 13. Já pediram mais quatro anos para o ex-torneiro mecânico de “nove dedos”. Já comemoraram o Minha Casa, Minha Vida; o Luz para Todos e tantos outros programas sociais. Infelizmente, passados alguns anos, não foi esse povo que esqueceu dos benefícios dos governos de esquerda e de centro-esquerda, aqueles historicamente mais preocupados com o bem-estar social.
Sendo muito honesta, a militância do campo progressista deveria fazer um exame de consciência, no melhor estilo paulino (“Examine-se, pois, o homem a si mesmo” – 1 Coríntios 11.28), e se questionar onde errou.

Eu, que já vivi o suficiente para não dar margem a pensamentos mágicos e soluções imediatistas, penso que faltou, a partir do primeiro governo Lula, em 2003, uma espécie de secretaria de assuntos religiosos estratégicos, capaz de ouvir e avaliar as demandas evangélicas. E, mais que isso: faltou criar nas escolas públicas de todo o país uma disciplina que ensinasse o básico da política a todo estudante – do primeiro ano do Fundamental I ao último período do Ensino Médio.

Evitaria, talvez, que muitos jovens adultos não tivessem acreditado nas mentiras de Jair Bolsonaro em 2018. Não teriam embarcado, quem sabe, na conversa fiada de que ele era um homem “antissistema”, pronto “para mudar tudo isso que está aí” e que daria ao “cidadão de bem” o direito de se defender dos bandidos. No momento, felizmente, Bolsonaro está cada vez mais enrolado com a Justiça. Oxalá, seja preso.

Mas, o que fará Lula e a esquerda daqui para frente? Manterá a mesma política governamental, tentando de alguma maneira agradar uns poucos líderes evangélicos, ou acenará para as justas demandas sociais do povo pobre evangélico? A depender da resposta, o Brasil pode sofrer novo revés eleitoral em 2026, com a eleição de um Bolsonaro piorado, pronto a atender pedidos da mesma turma da pesada que quase destruiu nossa democracia.

Jacó Bino é jornalista e pequeno burguês evangélico

 

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