Construir Resistência
anne_4.jpg()(AE060FE1D4BCD7E4C8C38E3FBB61A150)

75 anos da publicação do diário de Anne Frank: algumas lembranças relevantes

Até hoje, o que mais me comove é a mensagem trivial e pungente de Annelies para sua vizinha, Toosje Kupers: “Eu estou preocupada com minhas bolinhas de gude, porque tenho medo de que caiam em mãos erradas. Você poderia guardá-las para mim por um tempo?”.

Até hoje penso onde foram parar esses brinquedos vítreos da menina. Assim como gostaria de saber o que sucedeu ao gato da família, o simpático Moortje, que a família Frank também deixou com os Kupers.

Agora, falemos da autora de uma dos mais importantes registros da dolorosa história humana, cuja publicação de estreia completa 75 anos neste 25 de Junho.

Seu nome era Annelies Marie Frank, nascida em Frankfurt, na Alemanha, em 12 de Junho de 1929. Sua família era de judeus liberais, ou seja, não ortodoxos. Viviam harmonicamente em uma comunidade citadina marcada pela diversidade, com judeus e praticantes de outras religiões.

A casa tinha uma biblioteca. O casal Edith e Otto incentivava as filhas, Margot e Annelies, a lerem de tudo e se capacitarem para fazer a diferença no mundo. Otto fora sempre leal a seu país e cerrara fileiras com o Exército Imperial na I Guerra Mundial.

Em 1933, com a ascensão dos nazistas, começaram as hostilidades contra os judeus. Pessoas antes amistosas passaram a ofender os membros da família, com xingamentos e cusparadas. No outono daquele ano, sentindo-se insegura, a família se mudou para Amsterdã, na Holanda.

Anne foi estudar em uma escola que aplicava o método da italiana Maria Montessori. A ideia era valorizar a autonomia e estimular a autodisciplina dos estudantes, com ênfase na autoeducação e na descoberta criativa.

Obviamente, o ensino montessoriano havia sido proibido pelos nazistas assim que assumiram o poder. A menina Anne logo, extrovertida e perspicaz, descobriu o gosto pela escrita, ainda que não revelasse o conteúdo para as colegas de classe.

Em 1940, os hitleristas invadiram os Países Baixos e os judeus locais sofreram cruel perseguição. Dois anos depois, em Julho, Margot recebeu uma mensagem do escritório de imigração judaica, determinando que se dirigisse a um campo de concentração. Foi quando a família decidiu se ocultar em um anexo do prédio comercial da Opekta Works.

Antes de partir, além das bolinhas de gude, Anne deixou com a vizinha também um livro e um jogo de chá. Ganharia o diário que a tornaria famosa por ocasião de seu aniversário de 13 anos, em 12 de Junho de 1942, algumas semanas antes que a família se retirasse para o esconderijo. Começou a escrever seus apontamentos dois dias depois, no dia 14.

Ela batizou de “Kitty” seu diário. Boa parte do texto se apresentava, originalmente, na forma de cartas para esta Kitty. O primeiro caderno tem sua última entrada em 5 de Dezembro de 1942. Há um hiato, provavelmente de um ou mais volumes perdidos. Os textos são retomados em um segundo caderno, iniciado em 22 de Dezembro de 1943.

Em 1944, Anne reescreveu o diário. O motivo: uma mensagem no rádio para que as pessoas salvassem seus relatos de guerra a fim de documentarem os horrores da ocupação nazista. Esta segunda versão, denominada B, eliminou partes de A e adicionou novos textos, inclusive do período do hiato. A modelo padronizado é de cartas para Kitty.

Anne comemorou dois aniversários no esconderijo, nos quais acumulou outros presentes dos moradores e dos apoiadores externos. No décimo quarto aniversário, ganhou um livro sobre mitologia Greco-Romana. Também recebeu um poema escrito por seu pai, parte do qual foi copiado em seu diário.

Em agosto de 1944, a temível Gestapo descobriu o anexo. Não se sabe ao certo, até hoje, se foram denunciados por alguém ou se o refúgio foi encontrado por acidente, enquanto os alemães investigavam indícios de fraude em cupons de racionamento e emprego de mão de obra ilegal na Opekta.

Os moradores foram primeiramente conduzidos ao posto de trânsito de Westerbork, na Holanda, e depois para o terrível campo de concentração de Auschwitz, na Polônia.

Nesse local, os homens e as mulheres foram separados. Edith, Margot e Anne seguiram para o mesmo alojamento, realizando trabalhos forçados. Meses depois, as moças foram transferidas para o campo de concentração de Bergen-Belsen, em Hanover, na Alemanha.

Lá, já bastante enfraquecidas pela fome, Margot e Anne contraíram tifo. Em estado gravíssimo, Margot caiu de seu beliche e faleceu. No dia seguinte, Anne seguiu a irmã e ascendeu ao paraíso. Tinha 15 anos de idade.

Acredita-se que tenham partido em Fevereiro de 1945. Os prisioneiros seriam libertados do campo pelos soldados britânicos, em 15 de Abril daquele mesmo ano.

O único sobrevivente da família foi o pai de Anne, que retornou para Amsterdã e descobriu que o diário da adolescente havia sido salvo por Miep Gies, funcionária da empresa que havia ajudado a família nos anos do anexo.

O diário foi publicado pela primeira vez em 25 de Junho de 1947. Desde essa época, foi traduzido para mais de 70 línguas e teve dezenas de milhões de exemplares impressos.

O diário serviu como inspiração para inúmeras outras figuras que lutaram por justiça e igualdade, como Nelson Mandela, que o leu nos tempos da prisão em Robben Island.

Em 1999, Anne foi apontada como uma das pessoas mais importantes do Século 20, em uma lista organizada pela revista Time. Sua história segue sendo contada em canções, peças teatrais, documentários e filmes.

Tornou-se um símbolo inquebrantável da resistência humana à bestialidade fascista e referência na luta sem fim pelo avanço do rito civilizatório. Obrigado, Anne. Você vive!

Compartilhar:

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Email

Matérias Relacionadas

Rolar para cima