Violência policial na Baixada Santista não para de crescer

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Por Simão Zygband

Sob o comando do secretário de Segurança Pública, o bolsonarista capitão Derrite, número de mortos chega a 55 entre 1º de janeiro e 20 de fevereiro de 2024

 

 

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Enquanto todas as atenções se voltam para a tragédia humanitária que ocorre no Oriente Médio, o Brasil mantém sua tradição de erradicar a população mais pobre através da violência policial. É a maneira que o sistema capitalista, cruel e excludente, adota para aniquilar aqueles que indevidamente adotam a criminalidade como forma de se manter vivo ou mesmo de ascensão social. Ou se aceita a condição de explorado ou, caso opte pelo caminho do crime, será abatido impiedosamente. E entre estes, claro, são assassinados inúmeros inocentes. Afinal, ao contrário do que pensam as autoridades, sobretudo as bolsonaristas, nem todo pobre é bandido.

Em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas, oriundo do Rio de Janeiro, cidade controlada pelo tráfico de drogas, pelas milícias e pelo crime organizado, decidiu importar o estilo carioca de combate ao que ele supõe “criminosos”. E para isso, nomeou um ex-capitão das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota),  Guilherme Derrite, como secretário de Segurança Pública. Para quem não sabe, a Rota é um temido batalhão da PM dos mais violentos, que se notabilizou pela excessiva violência no combate ao crime, responsável pelo justiçamento de criminosos nas ruas, mas também de inúmeros inocentes.

Guilherme Muraro Derrite, de 39 anos, mais conhecido como Capitão Derrite, se elegeu deputado federal pelo partido (PL) do ex-presidente Jair Bolsonaro. É considerado um bolsonarista raiz. O atual secretário foi o relator do projeto de lei que acaba com as saídas temporárias de presos, e que está em tramitação no Congresso, uma das bandeiras da extrema direita para a área de Segurança Pública.

Assim como o governador Tarcísio, o secretário de Segurança Pública já afirmou, em entrevistas, ser contra o uso de câmeras corporais por PMs para reduzir a letalidade e a violência policial, lançadas em 2021, na gestão do PSDB. Para ele, os equipamentos “inibem” a ação dos agentes. No entanto, dados da própria corporação indicam que a letalidade da tropa, assim como a morte de policiais em serviço, caíram desde o início do programa.

A Baixada Santista tem servido como uma espécie de laboratório de combate à “criminalidade” adotada por Tarcísio e Derrite. Desta forma, o número de pessoas mortas por policiais militares na região chegou a 55 entre 1º de janeiro e 20 de fevereiro de 2024. É o quadruplo de 2023 (quando houve 13 mortes) e o maior número para o período desde 2017, início da série histórica, feita pelo Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (Gaesp) do Ministério Público de São Paulo (MP-SP).

Com isso, a Baixada, que tem 4% da população do Estado de São Paulo, concentra 45% das mortes pela PM em 2024 – nos anos anteriores, em média, respondia por 13%. O aumento das mortes na Baixada Santista ocorre em meio operações policiais realizada pelo governo Tarcísio, tendo Derrite como secretário, que chegou a transferir o gabinete da Segurança Pública para a região. Ela inicialmente foi batizada de Operação Escudo e rebatizada como Operação Verão III

Essas operações começaram as ser realizadas desde 2023, quando um PM da Rota foi assassinado na região. Na daquele ano, 28 pessoas foram mortas em 40 dias pela PM durante Operação Escudo – um protocolo adotado pela SSP sempre que um policial militar é morto ou ferido.

Trabalho orquestrado

Claudinho Silva
O Ouvidor das Polícias Claudinho Silva

 

Para tentar ocultar o número alarmante de assassinatos cometidos por PMs, o ouvidor da Polícia de São Paulo, Claudinho Silva, afirma que algumas práticas adotadas por policiais durante a Operação Verão III, que completou um mês no último domingo (3/3), indicam um trabalho orquestrado para dificultar investigações sobre as ações que terminam com mortes de civis em supostos confrontos com a PM.

Na semana passada, a Ouvidoria e entidades ligadas aos direitos humanos entregaram um relatório ao Ministério Público de São Paulo (MPSP) no qual listam uma série de irregularidades na conduta de PMs durante a operação no litoral sul paulista. Até o momento, 39 pessoas morreram em supostos confrontos desde o início de fevereiro, segundo a contagem da Secretaria da Segurança Pública (SSP).

“As comunidades onde a gente tem ido estão denunciando que as pessoas estão sendo socorridas mortas. Levam o corpo já sem vida para o hospital. Se você considerar que as pessoas estão sendo socorridas mortas, que esse socorro está sendo feito pela própria Polícia Militar, através de viaturas do Corpo de Bombeiros, e que os locais não estão sendo preservados, você conclui que tem alguma ação orquestrada nesse sentido. É uma linha que a apuração do Ministério Público deve considerar na investigação dos fatos”, afirma o ouvidor.

Em fevereiro, dois PMs foram mortos, um deles um integrante da Rota, em 2 de fevereiro. Desde então, 32 pessoas morreram em ações da PM nas cidades da Baixada Santista. Entre os mortos por policiais em 2024 está José Marcos Nunes da Silva, catador de recicláveis, morto por PMs da Rota dentro do barraco onde vivia em São Vicente, na madrugada de 3 de fevereiro.

A família diz que ele não tinha envolvimento com crime e pediu para não morrer. Os policiais relataram ter dado voz de prisão e que reagiram a disparos. O boletim de ocorrência foi registrado como resistência, porte ilegal de arma de fogo e drogas sem autorização.

Também foi morto Rodnei da Silva Sousa, em 5 de fevereiro. Parentes dizem que ele tinha envolvimento com tráfico de drogas e foi morto desarmado após ser atraído para uma emboscada. O boletim de ocorrência diz que os policiais acompanharam o carro em que Sousa estava e que ele apontou uma arma em direção aos PMs.

Operação é desastrada, diz pesquisador

Pesquisador do NEV (Núcleo de Estudos da Violência) da USP (Universidade de São Paulo), Bruno Paes Manso classifica a operação como desastrada, com elevado número de mortes em decorrência da ação.

“É uma operação que já dura muito tempo, que buscava, de alguma forma, dar uma resposta para violência contra um policial – em seguida outros dois policiais morreram –, mas que acabou provocando instabilidade e desordem, levando medo para a população das comunidades onde as operações acontecem, levando problema inclusive para os policiais, que passaram a ser de vulnerabilidade. Então, é uma operação desastrada da polícia, cuja desordem pode ser medida pela taxa de letalidade de homicídios na região que está sendo atípica e diferente do resto do Estado.”

Para o pesquisador, o que ocorre na Baixada é algo semelhante a uma briga de gangues.

“É um tipo de operação que dá errado. É prejudicial para o estado, para comunidade e para os próprios policiais. É como se fosse uma briga de gangues, briga de estádio, em que homens veem suas honras desafiadas. Quem imagina que ganha é quem acha que a honra se faz pelo sangue. É coisa bárbara.”

Em posicionamento anterior, a SSP disse que as mortes de PMs são uma reação às ações de policiamento na região, e que investe em políticas públicas para diminuir as mortes de policiais, além de reforçar orientação para que a tropa use “táticas e técnicas adequadas” para “se protegerem em situações de legítima defesa”.

A Defensoria Pública de SP e outras entidades apelaram à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pelo fim da operação, e que os policiais sejam obrigados a usar as câmeras corporais.

A Defensoria afirma que não havia menção ao uso de câmeras pelos PMs da Rota – batalhão que já dispõe do equipamento – em 3 boletins de ocorrência de ações que terminaram em morte. E que um conjunto de 4 vítimas recebeu 19 tiros ao todo, numa média de 4,75 disparos para cada uma.

Entidades de defesa de direitos humanos também haviam feito críticas à Operação Escudo, de 2023.

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) recolheu 11 relatos de violações dos direitos humanos durante a operação de 2023, e a Organização Não Governamental (ONG) Human Rights Watch (HRW) viu falhas na investigação.

 

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