Os intelectuais também têm desvios de personalidade

Por Simão Zygband

 

Se confirmadas as denúncias de assédio sexual e moral que pairam sobre o ex-ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida (e eu particularmente suponho que sejam verdadeiras), seria importante que o caso dele seja tratado com merecido carinho, pois trata-se de renomado intelectual brasileiro, reconhecido como um dos grandes especialistas sobre a questão racial, autor de livros como o Racismo EstruturalSartre: Direito e Política e O Direito no Jovem Lukács: A Filosofia do Direito em História e Consciência e dirigente do Instituto Luiz Gama de combate ao racismo.

Isso não o isenta, entretanto, de ter cometido os abusos que agora estão sendo investigados. É uma profunda lástima, mas o caráter doentio de eventual desvio comportamental, é humano e não acomete apenas os pensadores pretos, mas a totalidade dos homens héteros com dificuldades de lidar com a fama, o poder e o sucesso, que se utilizam de nome, riqueza ou poder político para provar que são machos, que podem tudo, perdendo a noção dos limites do aceitável.

Não é incomum em um universo machista, a deformação de mentes “desavisadas”. Que o diga o empresário judeu Samuel Klein, acusado de abusos sexuais por parte de suas funcionárias, algumas inclusive menores de idade. O dono das Casas Bahia era sinônimo de homem de sucesso, exemplo de superação, ele mesmo um sobrevivente do holocausto nazista.

Vamos analisar os pensamentos do filósofo Jean-Paul Sartre, pai do existencialismo, sobre quem Silvio Almeida escreveu o livro Sartre: Direito e Política. Ele segue os princípios existencialistas da liberdade de escolha como “elemento gerador e de total responsabilidade individual, que define que ninguém além do próprio indivíduo é o único responsável por seus sucessos e fracassos”.

“O homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo: é esse o primeiro princípio do existencialismo”, diz o filósofo.

“Cada vez que escolhemos agir de determinada maneira, vamos construindo a nossa própria identidade, determinando a própria noção de humanidade”.

“É a nossa conduta que nos caracteriza enquanto indivíduos e enquanto seres humanos. Assim, não podemos culpar ninguém pela consequência de nossos atos ou o rumo que nossa vida leva”, pontua Sartre.

Ou ainda: “A liberdade é um fardo do qual o homem não pode escapar, tudo o que fazemos é fruto de uma escolha, e tudo que nos acontece resultado de um conjunto de escolhas. A nossa liberdade é total, mas ela gera consequências com as quais teremos que lidar, ou seja, nos impõe uma responsabilidade total”.

Ter que lidar com o adoecimento psíquico não é incomum entre os pensadores, o que até pode ser o caso de Silvio Almeida, tendo agora que lidar com a fama de assediador.

Um dos mais importantes filósofos marxistas, Louis Althusser, chegou ao extremo de assassinar, durante um surto psicótico, a sua companheira, a revolucionária lituana Hélène Rytman, a quem enforcou em novembro de 1980. Foi absolvido criminalmente, sob a alegação de doença mental, o que lhe valeu a internação em hospitais psiquiátricos de Paris.

Silvio Almeida certamente pode comprovar sua inocência, mas já foi julgado pelo tribunal draconiano e implacável da politica.

O ex-ministro, que merece todo o respeito como intelectual, terá agora que lidar com as consequências do ele supunha ser sua liberdade total este conceito sartreano. Isso não vale, evidentemente, para assédios sexuais e morais. Se forem verdadeiras as denúncias, deve procurar tratamento psicanalitico. É o mais recomendável.

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