Por Sylvia Moretzsohn
O choque levou a pobreza “ao pior nível em 20 anos”, mas Milei, diz O Globo, “conta com a paciência dos argentinos”.
Uma paciência conquistada na base da porrada, mas isso o jornal prefere ignorar.
E não se trata só da criminalização dos protestos de rua, mas do corte nos investimentos em Ciência e Cultura, nos auxílios aos miseráveis, na guerra contra as entidades defensoras de direitos humanos.
A propósito, o Hugo Souza dá um exemplo:
“Meses atrás, em Buenos Aires, a casa de uma ativista da organização HIJOS (Filhos e Filhas pela Identidade e Justiça contra o Esquecimento e o Silêncio) foi invadida por homens que a espancaram, estupraram e deixaram pichada na parede a sigla VLLC.
“’¡Viva la libertad, carajo!’, slogan do mero ‘provocador’ [como o classifica O Globo], bordão do exemplo para o continente.”
Sabemos que quando alguém diz que não é nem de direita nem de esquerda, é porque é de direita, apenas não tem coragem de assumir.
O que se justificaria em outros tempos, mas desgraçadamente não nestes, em que as figuras mais grotescas passaram a se exibir abertamente, orgulhosas da própria estupidez e truculência.
Com nossa imprensa não é muito diferente. Costuma exaltar os mais nobres princípios éticos, costuma dizer que trabalha sempre em nome do interesse público, que é imparcial e isenta (o que é sempre uma forma de esconder seu caráter político, porque sempre se defende um lado, o problema é como se faz essa defesa), mas, a depender da conjuntura, mostra a sua cara de direita extrema.
Sobretudo quando se trata da defesa dos interesses do mercado.
Pode afetar pudores, pode fingir indecisão entre apoiar um democrata ou um troglodita, mas convive perfeitamente com esse troglodita (apenas um provocador, uma figura exótica, quem sabe…) se ele segue a cartilha.
Essa cartilha pode significar o brutal sofrimento de uma multidão, pode ser uma ofensa aos mínimos princípios de decência que se deve cultivar, pode ser uma agressão à memória histórica, desde que o equilíbrio das contas seja preservado.
O Globo tem a desfaçatez de dizer que Milei, “pelo menos no aspecto fiscal” (que é só o que interessa), é um exemplo para o Brasil.
Por isso o Hugo conclui assim:
“No Brasil, que parem de se iludir de uma vez por todas os canceladores de atos críticos da ditadura e demais pisadores de ovos do campo democrático: o tempo de ‘uma escolha muito difícil’, eternizado no editorial com este nome do Estadão e no editorial ‘Jair Rousseff’, da Folha de S.Paulo, esse tempo ‘acabou, porra’.
“Ou melhor: acabou aquele teatro.”
Sylvia Moretzsohn é jornalista e foi professora de jornalismo no Departamento de Comunicação Social da UFF. É colaboradora do Observatório da Imprensa.
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