Por José Dirceu
Setores da sociedade e da mídia tentam se alinhar à nova face do bolsonarismo
Causa estranheza o destaque dado pela Folha denúncia de que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, teria agido fora dos ritos ao solicitar, por meio de auxiliares, que o Tribunal Superior Eleitoral —do qual à época era presidente (ele dirigiu a corte de agosto de 2022 a junho de 2024)— produzisse relatórios para embasar o inquérito das fake news.
O inquérito foi aberto por ele ainda em 2019, contra jornalistas e comunicadores que insistiam em disseminar notícias falsas contra o sistema eleitoral, os tribunais superiores e seus ministros, pregando o discurso do ódio.
Estranheza porque, como bem disse o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, não fazia sentido o ministro Moraes oficiar a si mesmo.
A fundamentação da denúncia é tão pueril que Moraes recebeu o apoio de todos os seus pares, do procurador-geral da República, Paulo Gonet, de muitos políticos e até de expoentes da ultradireita, como o jurista Ives Gandra Martins e a ex-deputada Janaina Paschoal.
É importante notar que a denúncia foi muito bem embalada para ter ampla repercussão. A reportagem que a sustenta tem coautoria de Glenn Greenwald, jornalista estadunidense responsável pela denúncia da Vaza Jato, cujos documentos foram fundamentais para anular os processos contra o presidente Lula, reconhecer sua inocência e restituir seus direitos políticos.
Imediatamente, os bolsonaristas passaram a pedir o impeachment de Moraes e defender que todas as punições dadas por ele sejam revistas. Querem, ainda, anistia para os golpistas de 8 de janeiro de 2023 e para o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro —tanto em torno dos primeiros quanto do segundo o cerco vai se fechando.
A denúncia foi publicada na mesma semana em que se inicia a campanha eleitoral de prefeitos e vereadores e, como o Brasil não aprovou a regulamentação das plataformas digitais e redes sociais, que hoje são um importante veículo de propaganda eleitoral, todo o controle da disseminação das notícias falsas estará em mãos do TSE.
Fragilizar a figura do ministro Alexandre de Moraes, que conduz o inquérito das fake news e que à frente do TSE criou o Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia (Ciedde), que vai atuar pela primeira vez nestas eleições, é importante para a estratégia eleitoral bolsonarista, pois ela depende da disseminação de mentiras para manter suas bases estimuladas e alinhadas. Se o TSE for muito ativo, ela perde pontos. Se acuar o TSE, pode agir mais livremente nas redes.
Também chama a atenção que a denúncia tenha repercutido nas redes de direita no exterior e tenha sido comentada por Elon Musk, dono do X (ex-Twitter) e crítico de Moraes, a quem acusa de cercear a liberdade de expressão com seu inquérito das fake news, através do qual determinou a suspensão de contas de extremistas em redes sociais. Musk, um sul-africano que se fez bilionário nos Estados Unidos e é dono de várias empresas de tecnologia, é apoiador declarado de Donald Trump, que, como Bolsonaro e seus seguidores, é adepto da disseminação de mentiras nas redes sociais.
Musk foi além. Neste sábado (17), o Global Government Affairs, do X, anunciou na rede do microblog que estava encerrando sua operação no Brasil para “proteger a segurança de sua equipe”, e atribuiu a decisão às ações determinadas pelo ministro Alexandre de Moraes (no âmbito do inquérito das fake news). Melodramaticamente, encerra o comunicado com a seguinte frase, que bem evidencia que Musk se pretende dono do mundo: “O povo brasileiro tem uma escolha a fazer —democracia ou Alexandre de Moraes”.
Não resta dúvida de que a denúncia, que já começou a refluir, mostrou que a extrema direita está muito ativa e atenta a todos os movimentos de que possa se aproveitar para fortalecer sua posição em direção ao seu projeto de poder para 2026. Mostrou também o quanto setores da sociedade e da mídia tentam se alinhar com a nova face do bolsonarismo, que responde pelo nome do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas —a “suíte” [no jargão jornalístico, reportagem que explora os desdobramentos de um fato noticiado] saiu da Polícia Civil paulista.
Tarcísio é aquele que vendeu a Sabesp a preço de banana, fazendo a alegria dos rentistas, e promete, se chegar à Presidência, privatizar a Petrobras, o Banco do Brasil, a Caixa e, quiçá, o BNDES. A Faria Lima já faz fila para apoiá-lo. Não podemos permitir que isso aconteça.
José Dirceu é ex-ministro-chefe da Casa Civil (2003-05, governo Lula)