Por Sergio Papi
Segundo Jorge Amado, o gaúcho radicado na Capital Federal, Apparício Torelly, vulgo, o Barão de Itararé, foi em sua época o escritor mais lido e amado no Brasil.
Saudado de pé pelo poeta chileno Pablo Neruda, quando em visita ao Brasil. Graciliano Ramos dedicou-lhe um capítulo em seu “Memórias do Cárcere”.
Luiz Carlos Prestes, em que pese sua sobriedade, lhe reverenciava. Suas frases se tornaram famosas, incorporadas ao anedotário popular.
“Entre sem bater”, “mas nunca sem anunciar!” A placa “Entre sem bater”, foi colocada na porta da redação de seu jornal e se referia ao espancamento que o jornalista havia sofrido na noite anterior.
Sequestrado e levado para lugar ermo por oficiais da Marinha, a surra que lhe deram seria a primeira de muitas violências, censuras e prisões que o Barão ainda ia encarar.
Já a placa “Mas nunca sem anunciar”, foi colocada embaixo da primeira. Afinal, tratava-se de um jornal e precisava de anúncios.
Fundado por Apparício Torelly em 1925, o humorístico A Manha logo fez enorme sucesso entre o público brasileiro.
Glossando a linguagem empolada dos jornalões conservadores da época, o jornalista debochava dos hábitos de nossa sociedade e denunciava os arbítrios do governo.
Denunciava a corrupção: “Ou se instaura a moralidade ou nos locupletemos todos!” É considerado o “Pai da Imprensa Alternativa Brasileira”.
Antes de apanhar dos oficiais da Marinha, Apparício havia localizado, esquecido nos subúrbios cariocas, o velho líder da Revolta da Chibata, João Cândido.
Escreveu uma série de reportagens a partir dos relatos do chamado “Almirante Negro” em um jornal ligado aos comunistas. Os oficiais da Marinha não gostaram.
Os presidentes do período, a quem Apparício chamava de Arthur Bernardas e Vaz Antão Luís apareciam como colaboradores do jornal. Em um artigo, o próprio “Bernadas” conta como eram tratados os presos em seu governo: a base de “bolos”.
Veio a Revolução de 30 e Apparício resolveu adotar o título de nobreza, Barão de Itararé, o Brando, em homenagem a famosa “batalha que não houve”, com direito a brasão heráldico.
Mas a ascensão de Getúlio Vargas logo colocaria o país no rumo do autoritarismo e o Barão acabou preso em 35, juntamente a vários intelectuais e militantes da época. A Manha deixou de circular.
A entrada na cadeia foi saudada pelos presos, entre eles Graciliano Ramos. Seu discurso aos que lá estavam encarcerados, foi uma injeção de ânimo.
“Se a pena for leve, descansaremos por algum tempo, sustentados pelo governo, depois iremos para a rua.” Entre idas e vindas de seu diretor à cadeia, A Manha teve circulação irregular.
Em 45, cai o Estado Novo, a ditadura de Vargas. Um dos eventos que marcavam a queda de Vargas, foi sem dúvida a comemoração em grande estilo do Jubileu de Prata do Barão de Itararé, promovido pela ABI, em homenagem aos 25 anos d’A Manha.
Segundo conta o semanário Diretrizes, seu admirador confesso, o poeta Olegário Mariano, teve que passar por essa:
“Surgiam aplausos e vivas. Todos se encaminham para o 9° andar, onde seria oferecido um aperitivo. Na sala de projeções iria ser levado um filme, à última hora, realizado por Augusto Rodrigues e Andrés Guevara: a vida do Barão em caricatura, uns poucos minutos já não havia mais um canto vago no salão.
Aqui e ali o repórter pôde apanhar alguns instantâneos inesquecíveis da festa. Eis que surge o poeta Olegário Mariano e o porteiro, incumbido do controle da porta, não lhe permite entrar. O poeta esquecera seu cartão em casa e não havia mais nenhum à venda. Mas, quem iria impedir que ele entrasse e abraçasse o seu querido amigo? E, não fosse a intervenção de terceiros, o porteiro seria estraçalhado pela ira sagrada do grande lírico”.
A Manha, “o único quinta-ferino que sai às sextas”, volta a circular, com a colaboração de grandes nomes da imprensa e da literatura, como seu amigo querido, José Lins do Rego. O Partido Comunista é legalizado.
Em 1946, A Manha anuncia a candidatura do Barão à Câmara Municipal do Rio. Desfraldada uma bandeira concreta de reivindicações inadiáveis, entre elas: “Por casa, comida e roupa lavada”.
Seu lema: “Mais água, mais leite, mas menos água no leite!”. Cria o comício relâmpago… com trovão, para manter despertos os ouvintes.
Eleito com boa votação, vai travar debates memoráveis com Ary Barroso, também eleito vereador. Porém, logo após, em 47, seu partido é colocado na ilegalidade e o Barão perde o mandato.
“De onde menos se espera, daí mesmo que num sai nada”. “Saio da vida pública direto para a privada”, declarou depois de cassado.
O Barão de Itararé ainda publicou, no período de 49 a 55, três “Almanhaques”, ou os almanaques d’A Manha, com patrocínio da “Sogra”, Sociedade Gráfica, e contando ainda com a colaboração de seu talentoso parceiro desde dos primeiros números d’A Manha, o diagramador e ilustrador Andrés Guevara.
Na década de 60, já aposentado do cargo de diretor d’A Manha, viaja à China, acompanhando uma grande delegação brasileira de intelectuais que visitou aquele país em plena “Revolução Cultural”.
Dedica-se a estudos e inventa o Horóscopo Biônico, baseado em elementos químicos da Tabela Periódica, ao invés dos astros.
Morreu em seu apartamento, em Laranjeiras, Rio de Janeiro, onde proliferavam formigas e baratas, que ele não se permitia eliminar. Havia adotado o vegetarianismo. Sobre alguns jornalistas, comentou: “antigamente os animais falavam, hoje em dia, eles até escrevem”.

Sergio Papi é escritor, ilustrador e web designer











