Revisão contempla apenas o ano de 2020, e aponta para uma diferença de cerca de 18% em relação aos números oficiais de vítimas. Entidade também pede retomada de medidas restritivas para conter avanço da variante delta
Por Gabriel Valery, da Rede Brasil Atual
Foto: Alex Pazuello/Semcom
O Brasil registrou nesta quinta (26), mais 920 mortes por covid-19 em um período de 24 horas – das 16h de ontem às 16h de hoje. Com o acréscimo, o total de vítimas do novo coronavírus oficialmente notificadas no país chega a 577.565. Os dados são fornecidos pelo Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass). Entretanto, sem coordenação nacional para o devido combate ao vírus, o país sofre com subnotificação de dados e inconsistências nas notificações. Portanto, é certo que o número de óbitos e de casos é bem maior que o oficial. É o que aponta levantamento da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgado ontem, segundo o qual o país deveria acrescentar ao menos mais 35.503 mortes ao triste histórico.
Contudo, o estudo da Fiocruz leva em conta apenas o ano de 2020, quando, oficialmente, foram 194.949 vítimas do início do surto, em março, até o dia 31 de dezembro. Entretanto, uma revisão de dados represados do ano passado apontou para 230.425 óbitos no período. “Tem uma série de processos e etapas de controle de qualidade. Porém, por natureza, tem um longo tempo de processamento. Em média são 27 dias entre a data do óbito e sua consolidação no sistema nacional, e essa demora pode chegar a 190 dias. Por isso, só conseguimos ter um cenário completo de 2020 agora em 2021”, afirma Cristiano Boccolini, pesquisador da entidade.
Mesmo o novo número de vítimas da covid pode ser resultado de subnotificação, já que o Brasil é dos países que menos aplicou testes em sua população. “Precisamos revisar todos os dados registrados para obter uma análise mais precisa do que ocorreu no ano passado”, completa. O pesquisador explica que é seguro apontar para uma diferença da ordem de cerca de 18% entre os números oficiais das vítimas da pandemia e os dados agora constatados.
População abandonada
As consequências do posicionamento do governo federal contra a ciência, promovendo aglomerações, divulgando mentiras sobre a segurança de vacinas e o uso de máscaras estão refletidos no estudo da Fiocruz. Por exemplo, por seguirem os protocolos de proteção à risca, do total de mortes por covid registradas em 2020, apenas 2% foram de trabalhadores da saúde.
Por outro lado, os que mais morreram foram trabalhadores dos setores de produção de bens e serviços (22%) e do comércio (18%) .
Os resultados expõem claramente a desigualdade social do país, aprofundada na pandemia. Os que mais morreram foram os trabalhadores que não tiveram condições ou apoio do Estado para manter a renda enquanto se protegessem e contribuíssem para a diminuição do contágio, ficando em suas casas. “Percebemos que as categorias profissionais mais afetadas são trabalhadores que não podem parar, aderir ao home office e manter o isolamento social, o que escancara o peso das desigualdades sociais no cenário da covid-19″, afirma o pesquisador Cristiano Boccolini.
Tragédia que segue
Outro levantamento da Fiocruz, divulgado hoje (26), reafirma que a tragédia da covid-19 no Brasil está longe de acabar. Estados e municípios suspendem medidas protetivas à população, como João Doria (PSDB), governador de São Paulo, que decretou “o fim da quarentena“. Enquanto isso, o coronavírus ganha força, com o avanço da variante delta, até 70% mais transmissível e mais resistente às vacinas, sobretudo às primeiras doses. O boletim InfoGripe, publicado pela entidade, aponta “para um sinal de interrupção de queda do número de casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e sugere uma possível retomada do crescimento apresentado nas últimas semanas”.
Ainda segundo o boletim de hoje do Conass, no último período de 24 horas monitorado foram notificados 31.024 novos casos, totalizando 20.676.561 infectados, também desde março de 2020. Um dos estados que atravessa situação complicada é o Rio de Janeiro. Com oito cidades em colapso hospitalar pela falta de leitos, a capital fluminense registra, desde ontem, filas de ambulâncias em hospitais de referência contra a covid-19. A cidade também é a capital com o mais alto índice de ocupação de UTIs, 96%.
Além do Rio de Janeiro, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe apresentam movimento de piora no cenário. O pesquisador Marcelo Gomes, coordenador do InfoGripe, pede recuo do fim das medidas de distanciamento social. “É preciso cautela em relação a medidas de flexibilização das recomendações de distanciamento para redução da transmissão da covid-19 enquanto a tendência de queda não tiver sido mantida por tempo suficiente para que o número de novos casos atinja valores significativamente baixos. Bem como há necessidade de reavaliação das flexibilizações já implementadas nos estados com sinal de retomada do crescimento ou estabilização ainda em patamares elevados”, alerta.
Matéria publicada originalmente na Rede Brasil Atual