Michelle e a farsa do lava-pés na Semana Santa

Por Sonia Castro Lopes – Quarentena News

Nessa última quinta feira (17), as redes sociais e canais de youtube foram inundados pelo mais novo marketing político do ex-presidente que contou com a participação especial de sua consorte, a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro.

Qualquer calouro de Faculdade de Comunicação Social, ao cursar a disciplina Teoria da Comunicação e seus conteúdos semióticos, será capaz de interpretar de forma crítica o episódio do lava-pés, uma história bíblica que se tornou uma encenação tosca onde o inelegível manda recado para seus apoiadores e todos possíveis candidatos à presidência em 2026.

Segundo o noticiário oficial, Bolsonaro estaria doente e a cirurgia pela qual passou foi bastante complexa. Além da inelegibilidade, o estado de saúde do ex-presidente pode impedi-lo de disputar a presidência, caso consiga absolvição dos crimes que lhe são imputados ou a tão desejada anistia.

Claro que, como sempre, ele usa e abusa da vitimização para atingir não apenas seus apoiadores, mas também mobilizar os eleitores que defendem pautas morais alinhadas a um cristianismo de ocasião e à extrema direita.

Sentado na cadeira do hospital com o corpo repleto de fios e ataduras, cercado por médicos e enfermeiros cujo sorriso complacente sugere um posicionamento político alinhado com o do famoso enfermo, vemos a ex primeira dama ajoelhada diante do marido, lavando e massageando seus pés, numa representação grosseira da tradição adotada pela Igreja Católica em plena quinta feira santa.

Coincidência? Difícil acreditar em se tratando de Bolsonaro e seus familiares. Aliás, há que se salientar a incoerência da ex-primeira dama que, pentecostal de carteirinha, se apropria de um rito da Igreja Católica para inculcar em seus seguidores a mensagem de esposa desvelada e amorosa.

Ao desempenhar o papel de mulher submissa, cuidadora e companheira, ela agrada não só aos seus pares como também afaga a consciência dos católicos conservadores que defendem com requintes patológicos a trilogia Deus, Pátria e Família.

Qual o sentido dessa mensagem e quem seriam os destinatários? Para além dos eleitores e simpatizantes do bolsonarismo, o inelegível manda um recado claro para toda a direita e extrema direita.

Sem projeto de país ou qualquer preocupação com o bem-estar da população, o ex-presidente só confia nos membros de sua família que há décadas se locupleta de recursos públicos ocupando cargos legislativos.

Seus filhos talvez não possam dar continuidade ao projeto, envolvidos em maracutaias que podem lhes custar não só o cargo, mas até mesmo a liberdade. Quem sobraria, então?

Provavelmente a esposa virtuosa que humildemente se coloca aos pés do “mito” como o Sumo Pontífice e demais representantes da Igreja que, na quinta feira santa, se ajoelham e banham os pés dos fiéis, a exemplo do que fez Cristo na Última Ceia. A escolha da data para disseminar esse vídeo não foi por acaso. A encenação é puro marketing.

Não digo que a doença seja farsa, aliás pode mesmo ser grave, mas o uso político da mensagem, a forma pela qual esta se propaga mostra-se bastante eficaz, tendo em vista a emoção contida nos posts, vídeos e principalmente entre os comunicadores de notícias de canais bolsonaristas.

Parodiando Cesar, o famoso imperador romano, à mulher de Bolsonaro não basta ser virtuosa, ela deve parecer virtuosa. Ela pode sim ser sua substituta caso a anistia não saia ou a doença o impeça de assumir qualquer cargo político.

O recado está dado àqueles que se julgam herdeiros de seu capital eleitoral. Que os Tarcísios, Zemas, Caiados e farialimers se convençam de que nenhum deles terá o beneplácito do ex-presidente.

Se não puder ser um dos seus filhos (01 ou 03) quem “servirá ao Senhor” é a mulher virtuosa que não mede esforços para apoiar o marido na alegria e na tristeza, na saúde e na doença.

Há alguma dúvida de que Michelle será endeusada pelos membros das igrejas pentecostais e demais ‘cristãos’ conservadores e consiga disputar até a cadeira de Presidente da República?

Na pior das hipóteses, a ex-primeira dama poderá se eleger para o Senado vindo a compor a tropa fascista que embarga todas as pretensões do governo democrático vitorioso nas últimas eleições.

Até porque a moça não pretende depender para sempre de seu protetor. Ambiciosa, ela certamente anseia trilhar uma carreira política solo e se emancipar galgando o mais alto cargo legislativo.

O que eles, os que apostam nessa hipótese, precisam saber é que Michelle Bolsonaro está a léguas de distância de sua provável inspiradora, Evita Perón, a rainha dos descamisados argentinos.

Os tempos são outros, dirão os leitores esquecendo-se de que assim como aqui, em 2018, nossos hermanos acabaram de eleger outro fascista para ocupar o mais alto cargo do país e que ambos são absolutamente subservientes ao cidadão que se acha dono do mundo. Tudo é possível no lado de baixo (e de cima) do Equador.

Sonia Castro Lopes é historiadora da UFRJ e presidenta vitalícia do site Construir Resistência

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