Por Léo Bueno
É como se fosse um nó na balança. Paulo César Pereio saiu vazado hoje (ontem, dia 12), logo num Dia das Mães.
Ele não era exatamente a contradição da ideia de mãe. Nem, talvez, na de mulher. Era, sim, um cara complicado. De tantos motivos para ele ser preso, foi-o só de fato quando faltou com a pensão.
O povo acha engraçado que as pessoas não vão presas por crimes graves, mas sim por não pagar pensão. Pra mim, sonegar a comida de seus próprios filhos é literalmente o pior crime que você pode cometer.
Essa é só uma das polêmicas que envolveu Pereio. Ele foi o ator-símbolo de um momento crítico do cinema brasileiro: o da passagem da pornochanchada – o cinema censurado pela ditadura – para os anos 80, quando o audiovisual finalmente encontrava a possibilidade de pronunciamentos literais, prometendo-se livre e complexo. Infelizmente Sarney e Collor fecharam a proposta num caixão.
Ficou, entre poucas coisas, o Pereio. Aliás (segundo aliás do dia pelo mesmo motivo), gaúcho. Que vestiu, com sua cultura gaúcha, a roupa do malandro, originalmente carioca, numa mistura que, naquela época, fez todo o sentido.
A não se perder jamais: o documentário ‘Pereio, te Odeio’, do Allan Sieber (outro de muitos artistas gaúchos do Rio) e do Tasso Dourado. Que foi recentemente lançado, como se os dois tivessem pressa de registrar o que precisava ser registrado antes desse 12 de maio.
Aí ficam as frases – e por justiça é preciso dizer que algumas não foi ele quem pronunciou, mas sim os seus personagens – que Pereio disse ao longo da vida:
“Se um dia a vida lhe der as costas, passe a mão na bunda dela.”
“De que adianta liberar a maconha num país e não no outro? Até quando, meu deus do céu, a gente vai ter que botar maconha no mocó para viajar?”
“Fui expulso de uma suruba por mau comportamento.”
“A fama (de criador de casos, maldito e cafajeste) é merecida. Mas é uma coisa cultivada. Construo este mito para ser pouco incomodado. É uma espécie de self-art.”
(Desdobramento da última frase) “Sou uma das poucas pessoas do país que são reconhecidas na rua e podem subir o morro para comprar maconha!”
E por último, mas não menos importante: vai-se embora uma das tecnicamente melhores vozes masculinas da História da mídia brasileira!
Léo Bueno é jornalista
Nota do editor: admirava Peréio exatamente pela sua irreverência e pelo cáustico sarcasmo. Vi vários textos sobre a sua passagem. Mas nenhum dos que eu vi falava do filme que me marcou profundamente, no qual ele era o ator principal: Iracema, uma transa amazônica, de Jorge Bodanzky e Orlando Senna, que mostrava a prostituição infantil na região amazônica ainda sob o regime militar. Precisava ter coragem para desafiar a ditadura. E esta coragem o Pereio possuía.
Pereio presente!
