Eduardo R Gomes
Ninguém teve uma festa de réveillon com aglomeração. Ninguém. Foi tudo um mal entendido, um exagero da mídia sobre o que, de fato, aconteceu. Em Trancoso, na Costa Verde, nas praias de São Paulo, no Rio de Janeiro – e no restante do país – todos seguiram o protocolo de enfrentamento da pandemia por que passamos, ficando em casa com pequenas reuniões, usando máscaras, mantendo o distanciamento social, em ambiente arejado. Foi um mal entendido. Enfim, só foi uma festinha programada para umas poucas 150 pessoas que, por azar, chegou descontroladamente a 500. Mas sem maiores problemas, claro, porque, afinal, todos tinham que apresentar provas de testes negativos para o vírus. Aliás, por que não arriscar “um pouquinho” se beltrano, uma “personalidade”, estará presente? Por que não arriscar se somos jovens – e naturalmente insaciáveis??? Com aquele DJ, sem dúvida, vale a pena ir à pool party do cicrano, é claro … você não viu no twitter o barato que será??? Se o presidente viaja de férias para o litoral paulista, um governador voa pra Miami, o prefeito aumenta o seu salário, do vice, e de todos seus secretários em mais de 46%, por que não dar um tempo nessa paranoia com o vírus? Por que não? Vai ser só uma noite.
Olho para este cenário de negação da pandemia e me lembro da campanha contra fome no Brasil dos anos 90. Alertados por Betinho, nós tivemos que reconhecer que a fome era uma “vergonha” para o Brasil – que buscava entrar em um novo capítulo de sua história – e que devíamos por mãos à obra para superar a fome. “Quem tem fome tem pressa” foi o slogan que nos mobilizou, dos mais ricos até os remediados, como se dizia então. Tocados por este chamamento, nos juntamos a amigos, conhecidos, vizinhos, colegas de trabalho ou de escola – e até a desconhecidos – para nos engajar em iniciativas de combate à fome. Não vencemos, mas certamente fizemos a diferença para muitos brasileiros e, no médio prazo, com essa mobilização da sociedade civil, semeamos a ideia de um programa governamental contra a fome, que acabou acontecendo.
Ao invés de olhar para frente neste início de 2021- depois de inúmeras festas de fim de ano e de outros tantos carnavais subterrâneos, com uma infantil negação pandemia, que ceifou a vida de quase 300 mil brasileiros e desenvolveu um vírus com um poder de infecção ainda mais forte – sou motivado a olhar para trás e lembrar de um Brasil solidário e que tem empatia, que parece que não existir mais. Mas também sou levado a lembrar de Edmund Burke, um filósofo e político irlandês do século XVIII, que reagiu aos arroubos da revolução francesa, lembrando que as sociedades têm “laços mais leves que o ar e mais pesados que o ferro”. Começo, portanto, 2021, na esperança que nossos laços não tenham sido desfeitos e que possamos, no ano de 2021 já em curso, pensar em um verdadeiramente feliz ano novo em 2022.
Eduardo R. Gomes é cientista político. Doutor pela Universidade de Chicago e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF).
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Ironia,fina e potente, Eduardo! Muito bom conhecer o seu blog! Vou acompanhar.
Obrigada, Lídia. Acompanhe nosso site.
Ironia fina e potente, Eduardo! Bom conhecer seu site e esse outro (bom) lado da sua escritura. Grande abraço! Segue abaixo o link do meu site /blog. Troquemos figurinhas!
Obrigada Lidia. Eduardo tem um estilo incrível. Faz crítica com ironia sem perder a pegada acadêmica.