Construir Resistência
Sonia Castro Lopes

Educação para a desigualdade

Neste final de ano, um resumo da educação no país

Por Sonia Castro Lopes

Ao contrário do título do livro Educação para a democracia do grande Anísio Teixeira,  termino o ano discorrendo sobre educar para a desigualdade, ao constatar que, mais uma vez, retrocesso e desigualdade são as  palavras-chave do atual processo educacional brasileiro.

Na verdade, existe um saudosismo que beira a ignorância quando certos “especialistas” se propõem a falar sobre educação no Brasil. Tenho lido entrevistas assustadoras, especialmente as proferidas por aquele tipo sinistro – o dublê de pastor e ministro -, uma das figuras mais apagadas do Planalto. Inclusive, o elemento  conta com uma “assessoria de peso” para ajudá-lo a por em prática o projeto de destruição da educação brasileira. Para eles, a educação desandou “de uns trinta anos para cá”, coincidentemente com o fim da ditadura civil-militar. Alguém precisa lembrar aos leigos e aos “esquecidos” que foi justamente nessa época fatídica que se produziu o verdadeiro desmonte da educação nacional quando, ao menos no setor público, os danos parecem ter sido irreversíveis.

Desigualdades educacionais

Uma das mais perversas consequências da pandemia Covid-19 no Brasil foi a acentuação da desigualdade no campo educacional. Muito já se falou sobre as dificuldades de acompanhar um ensino remoto por parte das crianças e jovens da periferia, em sua maioria negros e pobres. A falta de acesso à internet e o acúmulo de tarefas que permitem a sobrevivência dos estudantes desprovidos de recursos prejudicam ou anulam qualquer possibilidade de êxito escolar. Se o direito de acesso ao ensino público e gratuito para todas as crianças, jovens e adultos foi garantido pela Constituição Federal de 1988, na prática, constatamos que ainda estamos bem distantes dessa utopia. E a crise pandêmica escancarou aos nossos olhos essa triste realidade.

Educação Especial

A política de educação especial defendida pelo ministro Milton Ribeiro (que reflete a posição do atual governo) traz uma proposta de marginalização de estudantes deficientes, além de favorecer certas instituições privadas para obtenção de verbas públicas direcionadas à educação especial. Tais medidas abrem brechas para a retomada de uma educação especial não inclusiva e não equitativa, acarretando um verdadeiro rompimento histórico com a questão do combate às desigualdades sociais do ponto de vista da educação inclusiva.

Laicidade em educação

Há bastante tempo o ensino religioso vem ganhando espaço nos currículos das escolas públicas. Mas atualmente, a máxima “Deus acima de todos”, insistentemente apregoada nos círculos governamentais, parece chancelar uma prática que afeta diretamente o desenvolvimento do espírito crítico dos alunos, além de colaborar para a manutenção de um conservadorismo hipócrita que tende a desqualificar outras crenças religiosas e colocar em xeque a diversidade tão necessária ao espírito democrático. A escola pública deve ser laica e não pode rejeitar seus alunos por cultos ou religiões praticadas em sua vida comunitária. Não pode adotar nem aceitar preconceitos de qualquer espécie, não pode ser autoritária nem obedecer a uma agenda única de valores. Infelizmente, não é o que vem acontecendo…

Autonomia universitária

A autonomia das universidades federais está ameaçada. Contrariando a tradição, muitos candidatos a reitores que encabeçam as listas tríplices têm sido preteridos em detrimento de outros mais alinhados ao pensamento e ideologia do atual governo. Infelizmente, a partir da entrada do Bolsonaro houve o desrespeito ao resultado das listas tríplices e esse desrespeito acabou ferindo de morte a autonomia universitária que também se encontra ameaçada por um modelo de gestão federal que não prioriza a educação, a ciência e a transferência de tecnologia.

Universidade para todos

Ao ministro da educação incomoda o fato de portadores de diploma de cursos superiores ganharem a vida como motoristas de táxi ou de aplicativos, ignorando pesquisas que demonstram ser a extensão dos estudos ao nível superior um dos fatores que geram mais oportunidades de emprego, notadamente num país com poucas ofertas de ensino como o nosso. A solução para ele é investir no ensino técnico porque a “universidade não é para todos.” Nada contra o ensino técnico, especialmente para quem precisa ingressar mais cedo no mercado de trabalho. Mas que seja um ensino técnico de qualidade e não o rebotalho que sempre quiseram impor às classes populares. Além disso, é inadmissível que se limite o destino dos estudantes destinando ‘a poucos’ a carreira universitária.  O ingresso na universidade transformou a vida de filhos de trabalhadores pobres e muitos continuaram seus estudos em cursos de pós-graduação stricto sensu. Sim, hoje filhos de porteiros e de empregadas domésticas são mestres e doutores para horror desse governo de boçais. E, felizmente, senhor ministro, esse processo é irreversível.

CAPES

Noticiada há pouco tempo, a debandada na Capes agrava a crise na educação quando tornou-se pública a batalha ideológica motivada pelo conteúdo das questões do ENEM.  Nesse caso, pesquisadores denunciam que a disputa envolve interesses financeiros representados pelo ensino superior privado, especialmente em relação aos cursos a distância. Na última proposta de criação de cursos de EaD foram apresentadas 19 programas e nenhum deles foi aceito, decisão seriamente criticada pela presidente, Cláudia Queda de Toledo, que assumiu a função em abril, tornando-se a terceira pessoa a presidir o órgão durante do governo Bolsonaro. Formada em Direito, era reitora de um centro universitário privado em Bauru (SP), o antigo Instituto Toledo de Ensino (ITE), de sua família, mesma instituição onde o ministro Ribeiro se formou em 1990. Com produção acadêmica rala e pouquíssima experiência em gestão, Claudia Toledo possui um currículo fraquíssimo.

INEP

Em que o INEP se transformou hoje? Num órgão que, ao privilegiar o sistema de avaliação da educação (básica e superior), é comandado por elementos incompetentes a quem é delegado o poder de interferir em exames como o ENEM para que se reproduza em termos educacionais a visão limitada e autoritária de um governo de extrema direita. Ao proclamar que “o ENEM precisa ter a cara do governo”, o Presidente da República denuncia a si mesmo e ao seu ministro Milton Ribeiro, que assim como seus antecessores, demonstra o quanto a incompetência e o radicalismo podem comprometer de forma irreparável a educação do país.

Ensino domiciliar

O ensino domiciliar que, de forma pedante, vem sendo denominado homeschooling, tem sido uma das pautas prioritárias do atual governo. Se até 2018 essa proposta era de responsabilidade do Ministério da Educação, hoje vem sendo tratada com destaque pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, ou seja, está sendo encarada como um tema relacionado ao direito da família e não como política educacional, embora sua proposta de regulamentação seja apoiada pelo MEC. Parece que retrocedemos ao passado quando os filhos da aristocracia dispunham de preceptores para lhes ministrar tanto o ensino das primeiras letras quanto o conteúdo das cadeiras necessárias à preparação para o prosseguimento de estudos enquanto aos pobres e remediados restava o ensino público, carente de escolas e professores para acolher a população em idade escolar.

Escolas cívico-militares

Outra “menina dos olhos” do presidente, essas escolas prevêem reserva de vagas para dependentes de militares, logo servem a estudantes com perfil socioeconômico mais elevado. Os candidatos civis são submetidos a provas e são admitidos os que obtiverem as melhores notas. Assim, essas instituições selecionam seu público, procedimento que gera vantagens nos processos avaliativos e indicadores de qualidade. Ao reproduzir a desigualdade de oportunidades esse modelo de escola vai de encontro ao processo de democratização do ensino prevista na legislação de ensino do país, na medida em que seus alunos partem de um patamar diverso daqueles matriculados nas demais escolas públicas que não recebem tantos investimentos e acolhem uma população diversificada, egressa de vários segmentos sociais.

Política educacional eleitoreira

Tudo indica que o ministro da educação, Milton Ribeiro, resolveu entrar na gincana eleitoreira. Depois de ceifar recursos para as universidades, colégios federais, bolsas de pesquisa e auxílio aos estudantes, criou cinco novas universidades federais e cinco institutos federias de ensino a partir do desmembramento de instituições já existentes. Parece que a moda de reinaugurar obras pegou pra valer, especialmente quando as eleições se aproximam. Cerca de 3000 cargos deverão ser preenchidos por apoiadores de deputados cujos redutos foram contemplados com essas inaugurações. Serão criadas as Universidades Federais do Sudeste e Sudoeste do Piauí; a do Alto Solimões, no Amazonas; a da Amazônia Maranhense; a do Norte de Mato Grosso e a do Vale do Itapemirim, no Espírito Santo. Além destas universidades também serão criados dois Institutos Federais em São Paulo, dois no Paraná e um em Goiás. O custo da brincadeira ficará em torno de 124 milhões de reais e as novas instituições usarão as dependências das universidades de origem. O comando caberá a reitores temporários nomeados pelo ministro, que, evidentemente, seguirão a cartilha política do governo. Os parlamentares governistas, agraciados com os mimos, agradecem penhorados.

Resumindo, todas as iniciativas e propostas desse governo no campo educacional visam à exclusão e à perpetuação das desigualdades. Impossível pensar nos dias de hoje, diante de uma sociedade tão multifacetada, numa educação que não contemple diferenças, que não acolha, que não seja solidária com o sofrimento do outro, que não combata preconceitos e práticas autoritárias. Que valores queremos passar aos nossos jovens? Que cidadãos queremos formar? O retrocesso é visível. Precisamos resistir.

 

Aos leitores do CONSTRUIR RESISTÊNCIA desejo um 2022 repleto de esperanças.  E que este governo seja massacrado nas urnas para que possamos reverter  o quadro  da educação no Brasil. 

 

 

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