Por Léo Bueno
Então vamos lá.
Todas as respostas do governo à crise do deputado Chupetinha foram erradas.
O novo Secom, Sidônio Palmeira (foto), entrou com um discurso bonitinho e tal, mas mesmo ele parece estar um século atrasado. O que só aumenta a preocupação.
Abaixo enumero três pontos nos quais a comunicação social está sendo tocada de maneira equivocada. Eles são mais importantes do que simplesmente responder a um deputado ou proteger o Pix alheio.
1. O governo tem que sair da defensiva
Essa eu cansei de ver aqui no âmbito municipal. Com a caneta e o orçamento na mão, os prefeitos vivem a imitar a Inês Brasil ao falar com vereadores petistas: se atacar eu vou atacar. Falam grosso com seus adversários e nem por isso saem arranhados.
Já o governo federal, só faltou pedir desculpas. Não que ele tenha estabelecido diálogo com o Chupetinha. Não devia mesmo. Mas sua pequena linha de defesa no Congresso e fora dele fez esse diálogo, em parte das vezes na linha de desmentir o que ele disse.
Errado! Dialogar com fascistas é o mesmo que Sócrates deixar o discurso na mão dos sofistas.
Desmentir um mentiroso é ficar na defensiva, e quem está na defensiva não avança. Além disso, é dar crédito ao que foi falado. Um governo forte fala grosso com criminosos.
Olha só como o discurso dos aliados podia ser:
“Pessoal, o deputado Nikolas Chupetinha cometeu um grave crime contra a economia popular. Milhares de estabelecimentos estão sem aceitar o Pix por causa das fake news que ele divulgou. O Congresso brasileiro não pode ser um móvel para crimes contra a população. O deputado será processado e responsabilizado por esse crime inaceitável, mas as pessoas também têm que ir atrás de seus direitos. Se o seu negócio, o seu comércio, teve prejuízos por causa do Pix, a culpa é do deputado Nikolas Chupetinha. O telefone dele é esse, o email dele é esse, o endereço para registrar no BO é esse. Na minha opinião, você tem direito de ser indenizado.”
Não é um discurso, repita-se, para ser feito pelo governo. O governo tem que fazer a parte dele – processar o deputado e congelar suas emendas.
E fazer política de comunicação direta. O que nos leva ao segundo item.
2. O governo está perdendo de 4 X 3. E sempre esteve
Bozo tinha três linhas de comunicação. A oficial, da qual inclusive ele fazia parte mais ativa do que o presidente Lula, com as lives de fake news e talz. A linha de defesa dos aliados, incluindo deputados e políticos de outras instâncias, coisa que Lula também tem.
E a militância, no caso o gado, que hoje inclusive está mais ativo do que naquela época – é sempre mais fácil ser vidraça do que pedra. A militância o Lula tem, embora hoje estejamos quase todos muito chateados com ele.
Mas o bozó tinha uma quarta – um enorme sistema clandestino de comunicação, incluindo robôs e ‘influencers anônimos’, incluindo ainda um exército de perfis fake, que o defendiam e que agora atacam o governo com mentiras.
A esquerda e a centro-esquerda nunca souberam como combater essa quarta linha. Porque tem gente que se finge de limpinha, tem gente que já está bastante confortável em seu gabinete, tem gente que não acha que estejamos numa guerra pela civilização.
Há duas maneiras de se tentar combater a quarta linha. Uma delas é pela legalidade. É necessária, mas insuficiente. É como um daqueles filmes de investigação de serial killers, na qual o serial killer está sempre alguns passos à frente da polícia.
A segunda maneira, levar o jogo para o 4X4, é óbvia e não se diz em voz alta. Mas gente como o deputado Janones conhece-a muito bem.
3. A comunicação social é inimiga do governo, e isso inclui as bigtechs
Zuckerberg entrou de vez na batalha das fake news ao lado de Trump e de Musk. Os algoritmos mostraram que a ‘viralização’ do vídeo do Chupetinha não foi nada casual.
Há quem indique, não sem razão, que essa briga, antes de ser entre o deputado e o governo, é entre Zuckerberg e a AGU. O dono da Meta estaria mandando um recado claro a qualquer tipo de regulação do Facebook, do Instagram e do Threads: tente e eu te devoro.
Depois entra a mídia tradicional, enfraquecida porém ainda poderosa. NENHUMA das notícias sobre a ‘viralização’ do vídeo veiculada pelos grandes veículos trata o discurso do Chupetinha como fake news.
Tem aquela história: se uma pessoa diz que está chovendo e outra diz que não está chovendo, seu trabalho como jornalista não é dar as duas versões, mas sim abrir a porra da janela e conferir se está chovendo.
A mídia tradicional, nessas horas, se recusa a abrir a porra da janela. Ela simplesmente deixa para o governo e para seus aliados a missão de desmentir o mentido.
O tamanho do problema é enorme: tanto a velha quanto a nova guarda estão do lado da mentira.
Aqui não há fórmulas milagrosas. A única saída é mesmo combater o combate que Lula sempre rejeitou: regulação, regulação e regulação.
A constituição diz que o anonimato é proibido quando se trata de liberdade de expressão. Ou o governo faz um trabalho completo de caça a perfis fake e robôs ou vai perder a guerra pela civilização.
Ou o governo e o STF notificam a meta sobre a proibição de anônimos, ou vamos perder essa guerra.
O código penal prevê uma série de crimes derivados do abuso da liberdade de expressão. Ou o governo e o STF buscam a punição (ainda que exemplar, por amostragem) aos trolls de internet, ou a guerra por civilização estará perdida.
Em 2009, quando estava bem mais forte do que hoje, o governo organizou uma Conferência Nacional de Comunicação. Nela, agentes realmente ligados ao tema puderam discutir e enviar pautas para o governo e o Congresso.
Foi muito atacada, mas por motivos escusos. Não há nada mais lógico do que ouvir professores sobre Educação ou médicos sobre Saúde. O governo estava simplesmente ouvindo comunicólogos sobre comunicação.
Só que todas aquelas pautas foram engavetadas. Lula não queria mexer nesse vespeiro. Se tivesse, alguma coisa poderia ser diferente hoje em dia.
E por aí vai.
Esses são apenas três pontos, dentre muitos outros, para se desenvolver um plano de comunicação de verdade. E que não use as estruturas do governo apenas como porta-voz do governo, mas que entenda a Comunicação Social assim como se entende a Saúde e a Educação: como um direito público que precisa ser defendido pela coletividade para que os mais fortes não abusem dos mais fracos. É para isso que inventaram o conceito de Estado.
É uma das guerras do nosso tempo, talvez a mais importante, depois da ambiental.
Léo Bueno é jornalista