Não dá mais para o Brasil continuar nesta política do “me engana que eu gosto”. Ou se boicota para valer a Copa América, se faz campanha de verdade para tentar conter a epidemia de Covid-19, ou não conseguiremos montar a resistência necessária para enfrentar o fascismo bolsonarista.
Por Simão Zygband
Sempre tenho a péssima impressão de que o pior perfil dos brasileiros é não fazer nenhum esforço para tentar mudar alguma situação. Sempre há uma leniência, falta de coragem mesmo, para enfrentar os desafios. O tal do “jeitinho brasileiro” é que, em geral, põe tudo a perder.
Vejo milhares de pessoas, mesmo as mais cultas e instruídas, desafiarem a Covid-19 por uma imensa preguiça de fazer um mínimo esforço para conter a pandemia. Parece que nunca pode acontecer com elas e assim já se vão 485 mil mortes. Muitas delas, claro, sem que as pessoas sequer soubessem que poderiam estar pegando a doença. Mas outras tantas sucumbiram por que não se cuidaram, apesar de conhecerem todos os meios de não contrair o vírus.
Dá uma tristeza danada ver que muitas vezes o discurso não sai do papel. “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. É claro que todos, sem exceção, deveriam estar empenhados em boicotar a Copa América no Brasil, o Torneio da Morte.
Ela foi trazida ao país pelo governo genocida de Jair Bolsonaro, como uma tentativa de conter a sangria da sua impopularidade. O capitão reformado decidiu fazer uma “motosseata” (como bem lembrou a jornalista Fernanda Guimarães, este é o termo certo e não “motociata”), antecipando a estreia na Copa da Morte, para fazer campanha em prol do genocídio. Foi seguido por uma legião de anencéfalos bolsonaristas. Como sempre, desafiando as leis e a Covid-19.
No último domingo, começou enfim a controversa Copa América. O Brasil estreou contra a Venezuela e ganhou de 3×0, placar esperado, ante a falta de tradição futebolística do rival. Apesar dos esforços de pequenos grupos, as manifestações contra o torneio não tiveram nenhuma visibilidade. Muito diferente do que ocorreu com a ex-presidenta Dilma Rousseff que enfrentou uma manifestação de “Não vai ter Copa”, que reuniu a extrema direita com a esquerda que a direita gosta.
Mas por que, mesmo sabendo se tratar da Copa da Morte, não se realizou um boicote também na televisão, já que não dar audiência é também uma estratégia de luta? Voltamos então à leniência brasileira, aquele povo que aceita tudo. Não se fez o menor esforço para não assistir à partida do Brasil. E os números não mentem.
Em São Paulo, a média do Ibope alcançada pelo SBT, a que ganhou a exclusividade de transmissão da Copa da Morte foi de 13,6 pontos, com pico de 15,8 às 19h51. Já a Rede Globo, que desta vez perdeu a prerrogativa de transmitir, bateu 16,4 pontos com pico de 18,6 às 19h52.
Segundo análise do site Na Telinha, apesar de não desbancar a maior emissora do país, “o SBT ostentou números confortáveis. No período de uma semana, com a exibição da estreia da Seleção Brasileira, a rede cresceu 55% em audiência. No domingo anterior, o SBT atingiu 8,8 pontos com a exibição de dois programas no mesmo horário”.
Não dá mais para o Brasil continuar nesta política do “me engana que eu gosto”. Ou se boicota para valer a Copa América, se faz campanha de verdade para tentar conter a epidemia de Covid-19, ou não conseguiremos montar a resistência necessária para enfrentar o fascismo bolsonarista.