Por Sonia Castro Lopes
Foi-se Artur Xexéo e, com ele, boa parte das recordações de minha infância e adolescência. Jornalista, cronista, dramaturgo, produtor teatral, crítico de cinema, Xexéo teve uma trajetória exitosa e nos legou uma obra considerável. Só por isso, podemos considerá-lo imortal. Sim, ele nunca precisaria dos votos dos demais ‘coleguinhas’ para ocupar uma cadeira na ABL. Não tentarei aqui traçar sua biografia, já há muitas desde ontem. Prefiro falar do meu sentimento enquanto apreciadora de seu trabalho.
Artur Oscar Moreira Xexéo (1951-2021), tricolor de coração como eu, sempre me divertiu com suas crônicas. Aos domingos, corria a abrir o segundo caderno em busca da última página para me entreter com seus comentários oportunos, bem-humorados, de linguagem simples, mas que, nas entrelinhas, denunciavam um jornalista de cultura ampla e sofisticada. Isso o tornava especial: saber transmitir, por meio de uma linguagem coloquial, as informações para seus leitores. E não pensem que é fácil. Conhecer profundamente determinado assunto, ser capaz de elaborar uma tese sobre o tema, é mole… Difícil é transpor essa densidade de conteúdos para uma linguagem acessível a quem nos lê ou escuta. E fazê-los relacionar os fatos com momentos de sua vida, tocar fundo sua memória a ponto de permitir que aflorem lembranças tão saborosas como as balas de nossa infância ou a sensação de frio na barriga com os primeiros flertes na adolescência. Sim, porque Xexéo era dessa geração que flertava, namorava no cinema, saboreava drops dulcora e, quando criança, assistia Clube do Guri, Teatrinho Trol, Vigilante Rodoviário, Nacional Kid.
Ah, sem querer ser saudosista, mas já sendo, como é bom recordar a televisão dos anos 60, as primeiras novelas, os programas de humor, de variedades, a transmissão dos concursos de misses, os festivais da canção. Como viajei lendo a coluna de Xexéo! Muitas vezes parava no meio da leitura e pensava: Como esse cara pode saber tanto de mim, de meus gostos, das minhas preferências? Mas que presunção… Ele sabia tudo sobre o cotidiano vivido por uma geração classe média que nasceu e viveu neste país durante as décadas de 50-60. E mais: ele sabia nos transportar para o momento exato de nosso passado com odores, texturas, sabores, trilha sonora e tudo o mais. Sabia, como Garcia Márquez nos sugere em O escândalo do século, transformar um fato aparentemente corriqueiro numa crônica elegante, às vezes ácida, mas sempre saborosa. Sabia ouvir a opinião dos leitores e retificar um equívoco que cometera em matéria anterior, sabia criar personagens como Dona Candoca para criticar a programação, especialmente as novelas, exibidas no canal-patrão. Sabia tudo.
Só o vi duas vezes. Uma delas no supermercado Zona Sul com o companheiro e outra no Teatro Casa Grande num dos últimos dias do espetáculo em homenagem à Bibi Ferreira, em 2018. Bibi, uma vida em musical denominava-se a peça escrita por Artur Xexéo e Luana Guimarães que foi dirigida por Tadeu Aguiar. Nesse dia, o teatro contou com a presença da homenageada que só foi percebida porque cantarolou junto com a atriz Amanda Acosta uma das canções que imortalizaram Edith Piaf, integrante do rol de estrelas vividas no teatro por Bibi. Já bem idosa (morreria um ano depois aos 96 anos), a atriz sentou-se no meio da plateia e junto dela, o autor do espetáculo. Foram ovacionados pelo público que se pôs de pé no intervalo.
Ler Xexéo é uma das raras exceções que concedo à grande imprensa carioca. Ele aos domingos, Joaquim Ferreira dos Santos as segundas, Veríssimo (agora sumido) e Bernardo Vieira de Mello. E já está de bom tamanho. O único senão sobre o qual discordávamos era em relação à posição política. Como quase todos os funcionários globais (há honrosas exceções), alinhava-se ao pensamento ‘liberal-democrata’, embora não se tivesse notícia de que fosse filiado a qualquer partido político. Paciência, ninguém é perfeito, mas é fato que andamos nos estranhando nos últimos tempos…
Xexéo fará falta à cultura desse país que hoje patina na ignorância e deprecia os cidadãos bem informados. Sentiremos sua ausência nos comentários do Oscar, nas aparições da TV e, sobretudo, sentiremos muita saudade de sua coluna domingueira. Como membro do seleto grupo de seus ‘dezessete leitores’, apreciadora das ‘fitas-banana’ e do concurso do/a ‘mala do ano’, eu me despeço.
Siga em paz, Xexéo. E obrigada por tanto.
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Sabe, eu gostava de suas crônicas…mas depois que comecei a ver os seus comentários na globo news…no programa da tarde, comandado pela Maria Beltrão foi uma decepção…achei ele muito conservador politicamente….tomei ranço…bjs..miriam
Eu também discordava das posições políticas dele. Mas como cronista era imbatível.