Por Beatriz Herkenhoff
A arte é um recurso potente na ocupação do tempo de forma prazerosa. De forma especial, nesse período de #pandemia em que temos que criar mecanismos para viver o #distanciamento social, sem sucumbirmos à tristeza ou perdermos a esperança.
Como já afirmei, a arte cinematográfica sempre ocupou um espaço significativo na administração do meu tempo. Após a aposentadoria, passei a frequentar o #CineJardins (Vitória, ES) três vezes por semana. Com o isolamento social assisto filmes todos os dias com minha mãe.
Tenho escrito resenhas de filmes, mas os livros também ocupam um lugar significativo no meu cotidiano. Por isso, hoje indicarei alguns livros da excelente escritora italiana #ElenaFerrante (pseudônimo). Ela tem se destacado junto aqueles que gostam de uma boa leitura.
Antes, porém quero estabelecer (de um ponto de vista estritamente pessoal) uma diferença entre o impacto gerado pelos filmes e pelos livros.
Os livros possibilitam que nossa fantasia se expanda com mais liberdade. Imaginamos as cenas, as paisagens, os rostos dos personagens. Ficamos semanas ou meses envolvidos com a leitura. Desligamos do mundo real e viajamos com suas histórias.
Os filmes também possibilitam esse mergulho em nós e na realidade vivida pelos atores, mas de forma diferenciada. Geralmente duram duas horas (as séries prolongam esse envolvimento). As cenas e os personagens não precisam ser criados pela nossa imaginação. Recebemos estímulos extras através da trilha sonora, dos efeitos especiais, da fotografia, da paisagem, do figurino, da maquiagem, da reconstrução de época entre outros.
Ler e assistir bons filmes são movimentos necessários nesse contexto em que é preciso sonhar e nos distanciar um pouco da tristeza gerada pelas mortes, atrocidades e descasos que estamos vivendo.
Não estou falando em desligamento dos desafios que a realidade nos impõe, pelo contrário, temos que nos mobilizar, lutar, resistir, denunciar, construir alternativas e perspectivas de mudanças.
Temos que nos sensibilizar, esperançar e solidarizar com aqueles que sofrem perdas em todas as áreas. Mas, para manter o nosso equilíbrio psíquico, físico, afetivo e espiritual, temos que cuidar do nosso mundo interior também. Manter a nossa sanidade mental com recursos potentes e belos que o mundo da arte nos oferece.
Helena Ferrante escreveu uma tetralogia sobre um bairro pobre de Nápoles, Itália. Narra a história de uma amizade que acompanha as protagonistas e suas famílias desde a infância até seu envelhecimento (1944 a 2005).
Depois que li o primeiro livro “Amiga Genial”, não consegui parar. Fui comprando ou pegando emprestado os demais livros: “História do novo sobrenome”; “História de quem foge e de quem fica” e “História da menina perdida.” Ficamos tão absortas na leitura que fizemos uma corrente entre familiares e amigos em que esses livros foram passando de mão em mão.
A autora consegue nos transportar para dentro de seus livros ou são seus livros que pulam para dentro de nossa existência? Ela escreve de forma tão envolvente e instigante que desencadeia um desejo de chegarmos ao fim. Os personagens passam a fazer parte do nosso cotidiano, de nossas preocupações com o seu presente e o seu futuro.
O eixo principal da história gira em torno de uma amizade sólida, repleta de sentimentos contraditórios, ora saudáveis, ora doentios. As amigas são movidas pela cumplicidade, amor, solidariedade, dependência emocional, inveja, competição, traição, insegurança, complexo de inferioridade, desejo de morte, de redenção, sonhos realizados, decepções e frustrações.
Afinidades e diferenças afastam e aproximam as amigas ao longo de suas vidas.
Suas atitudes são postas a nu de forma realista e cruel. Em alguns momentos nos identificamos, em outros nos indignamos.
Os sentimentos e acontecimentos são tão intensos e fortes que nos levam a perguntar se contradições semelhantes fazem parte do nosso ser. Será que também temos sentimentos tão contraditórios nas relações de amizade?
A história tem como pano de fundo uma Nápoles violenta, oprimida, opressora e machista. As mulheres são vistas como objetos a serem usados e descartados. Vítimas de maus tratos, elas submetem-se como única alternativa de sobrevivência. As protagonistas desafiam as convenções. Têm coragem de romper com a tradição. Questionam de forma contundente o lugar da mulher como ser humano, mãe e profissional.
São histórias contextualizadas nos momentos políticos vividos pela Itália. A autora denuncia as péssimas condições de trabalho e de exploração da classe operária. Narra e nos envolve com os movimentos de resistência, a participação dos estudantes e dos intelectuais nas lutas sociais. Nos transfere para o universo dos militantes comunistas, socialista e fascistas, bem como, daqueles que aderiram à luta armada.
Aborda a corrupção que domina os poderes legislativo, executivo e judiciário. A máfia com suas brigas pelo poder, pelo domínio de negócios lícitos e ilícitos e as mortes sangrentas que vão ocorrendo na Itália nesse período histórico.
Os quatro livros foram transformados em uma série #Napolitana e está em sua segunda temporada na #HBO. Não assisti ainda, mas, se for tão intensa quanto os livros, vale a pena!
No entanto, sugiro que leiam os livros antes. Estou querendo reler todos!
Fotos: Reprodução
Beatriz Herkenhoff é doutora em serviço social pela PUC São Paulo. Professora aposentada da Universidade Federal do Espírito Santo.